O relatório “Acesso a cuidados de saúde – As escolhas dos cidadãos 2020”, divulgado ontem, mostra que apesar de a situação ter melhorado desde 2017, ainda são mais de 5% os portugueses que deixam de comprar a medicação de que necessitam porque não têm dinheiro. Na classe socioeconómica mais baixa, a percentagem dos que encaixam nessa categoria situa-se entre os 11% e os 15%.
À agência Lusa, o autor do relatório, Pedro Pita Barros, afirmou que “apesar do esforço que tem sido feito em termos de políticas públicas de baixar os preços dos medicamentos, a verdade é que continua a ser o elemento central da despesa das pessoas quando vão a uma consulta, em termos de pagamentos diretos (…) e tem esse aspeto de acabar por ser bastante mais pesado nas famílias com menores rendimentos, o que é natural”.
No que toca a deixar de ir a uma consulta devido aos custos que a mesma comporta, a percentagem da população na classe socioeconómica aumentou de 7% em 2017 para 10% em 2019.
Outro dos pontos abordados é a predominância da automedicação: “Cerca de 10% dos inquiridos, quando se sentem doentes, optam por não contactar o sistema de saúde, e destes, 63% escolheram automedicar-se”, lê-se no comunicado, a que o i teve acesso.
O relatório mostra ainda quais os novos problemas, que surgiram desde o início da pandemia. Por um lado, o medo de recorrer ao sistema de saúde devido à covid-19 – referido por 15% dos inquiridos. Por outro, o receio do cancelamento do agendamento por iniciativa do prestador – referido por 20% dos entrevistados. Os mais idosos e, novamente, as classes socioeconómicas mais desfavorecidas foram os mais afetados.
Apesar de a maioria dos utentes sentir que foi bem tratado – 76,6% – os números diferem consoante a escolaridade. Daqueles que frequentaram a escola apenas até ao ensino básico, 80% referem que têm sido bem tratados; esse número desde para 72% para quem alcançou o ensino superior.
Fuga do SNS? O estudo, feito de uma parceria entre o BPI e a Nova SBE e coordenado por Pedro Pita Barros, refere que apesar de existirem desigualdades socioeconómicas na doença, o acesso ao sistema de saúde é similar para todos, tendo a decisão de primeiro contacto poucas barreiras ao acesso. Os entrevistados consideraram inclusive que, de um modo geral, o acesso aos serviços de saúde melhorou entre 2015 e 2020.
No entanto, contrariamente àquilo que poderia ser expectável, de acordo com a informação recolhida não existiu uma “fuga” do Sistema Nacional de Saúde (SNS) para o setor privado, “mas sim uma reconfiguração dentro de cada setor nos últimos anos”. A “fuga” a que se assistiu em 2020 foi a das urgências hospitalares, tanto no serviço privado como no público, para outros pontos de contacto dentro do mesmo setor. A percentagem de pessoas que recorreu à urgência hospitalar como primeiro ponto de contacto do sistema de saúde desceu, no setor público, de 41,1% em 2019 para 32,2% em 2020 e, no setor privado, de 5% para 2,1%
Na decisão de primeiro contacto com o sistema de saúde está, na maioria dos casos, o SNS, independentemente do grupo socioeconómico, sendo que a opção pelo setor privado está concentrada nas classes económicas mais elevadas.