Chamavam-lhe Ballet Azul. Tinham um jogador mágico, de proteção divina. Pés de Deus, diziam alguns. Alfredo Stéfano Di Stéfano Laulhé, assim mesmo, de nome repetido, nascido em Buenos Aires.Quando começou a jogar pelo River Plate, em 1945, com 19 anos, os companheiros perdiam as estribeiras com ele: só via a baliza. Fixava os olhos naquele retângulo de madeira que ficava lá do outro lado do campo, media o tamanho do guarda-redes adversário, e partia na sua velocidade de flecha que lhe valeria uma alcunha, La Saeta Rubia, devastando defesas à medida da sua cavalgada que era digna de um flagelo. Os seus colegas de equipa, ignorados e despeitados, não tinham remédio se não festejar com ele as vitória que bastas vezes arrancava sozinho. Quando lhe perguntavam quem era o melhor jogador do mundo, respondia com humildade: «Don Adolfo Pedernera, sin dudas».
Foi lado a lado com Adolfo Pedernera que chegou à Colômbia, em 1949. Com eles ia outro abençoado ao qual a bola obedecia sem reclamar: Nestor Rossi. Alfredo Senior, presidente do Millionarios de Bogotá, tomara a decisão irreversível de criar a melhor equipa do universo, gastasse o dinheiro que gastasse, e tirar proveito da sua fama para se dedicar à política com o decorrer da idade. A Colômbia desse tempo fervilhava de jogadores de todas as nacionalidades como uma verdadeira Babilónia. Se o Millionarios era o clube dos Argentinos, os clubes de Cali e Medellín contrataram todos os grandes jogadores peruanos. EmBarranquilla concentravam-se os brasileiros. Em Santa Fe, ingleses, italianos e húngaros. O povo gostava e enchia os estádios. Alfredo e Alfredo enchiam os bolsos. O clube não se chamava Millionarios por mero acaso.
Alfredo Di Stéfano foi campeão colombiano com o Millionarios. Campeão de um Campeonato Pirata já que não reconhecido pela FIFA que expulsara a Federação Colombiana do seu seio por os seus clubes se recusarem a pagar o preço das rescisões dos jogadores que iam buscar a todo o lado. AlfredoSenior estava-se perfeitamente marimbando para a FIFA. Cumprira o que prometera e fizera do Millinarios a melhor equipa da Terra e, em princípio, de todo o sistema solar.
Di Stéfano tinha um profundo respeito por Adolfo Pedernera. Com ele não fazia farinha. ASaetaRubia passou a aprender a permitir que os seus companheiros contribuíssem activamente nos movimentos de ataque que a sua imaginação pródiga inventava a todo o momento. Com Pedernera e Rossi, com Julio Cozzi e Antonio Baéz, com Reinaldo Mourin, Alfredo Mosquera e Hugo Reyes, aos quais se juntaram os tremendos uruguaios Hector Scarone e Shubert Gambetta, o treinador Carlos Aldabe passava horas e horas tranquilas no banco de suplentes, dando-se ao luxo de dispensar os cigarros. O público fazia filas infindas na tentativa de arranjar um lugar em El Campín. Havia gente que ia de véspera e dormia no chão em frente dos portões do estádio. Até o jovem Che Guevara e o seu amigo Alfredo Granado, que viajavam pela América na garupa de uma motoreta, mergulharam nessa confusão. Nunca se vira nada assim. E a inveja não tardou a medrar, como é seu hábito.
Em Madrid, o presidente do Real, Santiago Bernabéu, quis comemorar com pompa os 50 anos do clube. Bernabéu queria ir além do que fizera Alfredo Senior e fazer do Real o clube mais incandescente do mundo civilizado. A ideia de contratar Alfredo Di Stéfano tornou-se fixa. Mas primeiro tinha de o fazer conhecer a Europa e o futebol dos madridistas. No dia 15 de março de 1952, as estrelas dos Millionarios pousaram na capital espanhola.
O Ballet Azul passeou-se um pouco antes do prometido confronto de Chamartín que iria tirar teimas sobre quem era, de facto, a melhor equipa do mundo. Tudo foi organizado ao jeito de um combate de boxe – Santiago Bernabéu exigiu um KO aos seus rapazes. Um KO principescamente pago.
Em Mestalla, frente ao Valência, o público desiludiu-se: 0-0. Em seguida, uma viagem até Las Palmas e uma derrota (2-3) frente aoUnión. Depois, em Chamartín, novo empate, desta vez por 2-2, perante o Norköping da Suécia. ‘Joder’, queixava-se a imprensa e o público espanhol, «adonde están las estrellas?».
Di Stéfano, Pedernera e os seus acólitos pareciam ter estado a guardar-se para o grande confronto de 30 de março. Mais de 40 mil pessoas puderam assistir, finalmente, aos passos ritmados do Ballet Azul. OReal Madrid foi reduzido a uma equipa de província. «Millonarios el mejor equipo del mundo – Lo más grande que ha visto Madrid», trazia, no dia seguinte, em manchete, o El País. Don Alfredo marcara dois golos nas duas primeiras oportunidades que lhe surgiram. A forma como os sul-americanos bailavam por entre os jogadores madrilenos tornava-se aporrinhante. Baéz e Perdernera marcaram os outros dois golos e houve quem atirasse chapéus para dentro do campo como se estivesse numa arena. O perfume azul das violetas de Bogotá enchia todos os espaços de Chamartín.