“As religiões nos Jardins”. Através das crenças religiosas, a busca incessante do paraíso perdido

O diálogo, a peregrinação, o respeito pela Natureza, são caminhos para chegar a um Deus. Neste Santuário de Ponte de Lima, 12 jardins oriundos de 13 países, evocam a tolerância religiosa, o Belo, e a Invulnerabilidade da fé.

por Elsa Severino

Inauguração – A 28 de maio celebrou-se a inauguração de mais um evento dedicado aos jardins, cerimónia que contou com a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva. Aquando da abertura do Festival foi feita uma breve Homenagem em memória de João Cutileiro, junto a uma escultura de sua autoria, que muito enriquece este parque desde 2014.

Âmbito do Festival – O Festival de Jardins de Ponte de Lima procura ser um acontecimento/exposição de jardins efémeros renovados anualmente. Obedece a duas componentes essenciais – por um lado dar a conhecer o concelho de Ponte de Lima, atraindo visitantes através da publicidade anual do Festival de Jardins. Por outro, contribuir a nível nacional e internacional para uma maior sensibilização das populações para a arte dos jardins e para os problemas ambientais.

Ao longo de 16 anos este evento marcou a vila de Ponte de Lima no mês de maio. Anualmente é decidido um tema pelo júri do festival, aquando da seleção das propostas recebidas. Desde 2005 vários temas foram escolhidos e concretizados em jardins efémeros – o clima, a água, o lixo, a floresta ou as energias, marcaram esta agenda ambiental.

Em finais de 2019, antes do início da pandemia, o júri escolheu para 2020 o tema “As Religiões nos Jardins”. Num país maioritariamente católico, atendendo ao facto de Ponte de Lima estar na rota dos “Caminhos de Santiago”, mas também devido à existência de um número crescente de outras crenças religiosas no país, o tema fazia todo o sentido. Através de uma linguagem metafórica convocam-se artistas e visitantes para a tolerância e para o conhecimento do outro, sob o manto das religiões.

«O mundo é diverso, com muitas culturas, religiões e estilos de vida»; isso mesmo está refletido na multiplicidade de jardins, apresentados por autores nacionais e estrangeiros, e pelos alunos do ensino básico do concelho de Ponte de Lima.

O envolvimento das populações nesta iniciativa superou as nossas expectativas, assim como o reconhecimento internacional do festival, sendo este distinguido em 2013 com o título Garden Tourism Awards, no “North American Garden Tourism Conference”, em Toronto, Canadá, e em 2017 com a distinção “Europe for Festivals, Festivals for Europe” – EFFE Label 2017-2018. 

O jardim é um símbolo do Paraíso terrestre, representando um «sonho do mundo, transportando-nos ao mesmo tempo para fora dele». 

O Parque do Festival
O parque que acolhe o Festival, situa-se nas margens do rio Lima. Uma estrutura alveolar com áreas entre 150 a 200m2, é o “berço” dos 12 jardins efémeros expostos de maio a outubro de cada ano. Símbolos labirínticos rodeiam os alvéolos e três grandes labirintos com dois mirantes/folies estão espalhados no parque.

Estas duas estruturas metálicas permitem não só observar os jardins de um plano mais elevado, como também publicitar todos os eventos aqui ocorridos. Outras estruturas existentes, como as ramadas, (esteios em granito para suporte da vinha) foram preservadas, incluídas na nova composição e replicadas nos jardins. 

A alameda do festival desenvolve-se em meia-lua com três fontes e jogos de repuxos, criando elementos de surpresa no visitante. A zona de recreio livre é uma zona predominantemente relvada onde surgem ilhas ou mouchões com vegetação herbácea e arbustiva. Todo este parque beneficia da proximidade ao rio Lima e ao núcleo histórico de Ponte de Lima, sendo que o tema da água é aqui largamente desenvolvido.

A piscina de recreio, com utilização sazonal, permite oferecer uma maneira diferente de estar junto ao rio. Beneficia do apoio de um ginásio e de uma cafetaria que complementam um conceituado restaurante do Clube Náutico. Recorde-se que o campeão de canoagem Fernando Pimenta iniciou aqui a sua aprendizagem.

12 jardins efémeros e o 6º Festival de Jardins Escolinhas
O júri reuniu e avaliou criações provenientes de Portugal, Espanha, Escócia, República Checa, França, Inglaterra, Itália, Áustria, Roménia, Sérvia, Noruega, Polónia, Estados Unidos da América e Brasil. Como aconteceu nas edições anteriores, durante a seleção das propostas vencedoras, escolheu-se o tema para o ano de 2022 – “Os Jardins e as Alterações Climáticas”.

Jardim de Osíris Portugal
Os autores basearam a sua composição nos jardins egípcios e em Osíris, «o mais importante Deus de todo o império antigo. No início do seu culto, era a deificação da força do solo, que faz a vegetação crescer», sendo por conseguinte adorado como protetor da agricultura no vale do Nilo. Os jardins egípcios estão aqui representados através da água, em tanques, canais e bicas. Uma interpretação muito consistente.

La Chapelle Espanha
«La Chapelle é um espaço sagrado que responde à ideia de vida após a morte; um belo jardim que nasce e transcende o tempo em movimento contínuo e harmonioso», segundo os seus autores. O jardim é dividido em duas áreas, separadas por vedações semicirculares  – uma vermelha e outra de cor preta. Um espaço árido, está junto à vedação preta; a vedação vermelha, na sua parte côncava esconde um “belo jardim colorido”. Representam a dicotomia entre a vida e a morte.

Jardim do Diálogo Espanha / República Checa
O diálogo e a tolerância entre religiões é aqui abordado de uma forma bem explícita: o jardim apresenta sete núcleos que representam o jardim islâmico, o jardim cristão, o jardim judeu, o jardim do taoismo, o jardim hindu, o jardim budista e por último o jardim étnico. Convivem lado a lado, num mundo ideal de respeito pelas crenças religiosas do outro. O centro é ocupado pela oliveira, “árvore sagrada” simbolizando a paz nas tradições judaicas e cristãs, mas também a purificação do ser humano, a força, a vitória e a recompensa. «No Islão, a oliveira é a árvore central, símbolo do Homem universal».

Peregrinação Inglaterra
Uma homenagem aos peregrinos e locais de peregrinação. Um caminho sinuoso transporta-nos ao local de descanso e espiritualidade. Panos brancos guiam o visitante, e vários símbolos apontam para os céus, para a transcendência, representando as orações, esperanças e sonhos de cada indivíduo. O símbolo do peregrino está associado às ideias de expiação, de purificação, bem como a homenagem Àquele (Cristo, Maomé, Osíris, ou Buda).

Caixa de Pandora Itália
«A caixa de Pandora pode ser comparada à árvore da qual Adão e Eva comeram o fruto proibido, renunciando para sempre ao Éden». Pandora desobedeceu a Zeus e libertou a maldade do mundo. Antes destes acontecimentos o mundo era um paraíso. Este jardim tem uma entrada árida, mas no interior da caixa, qual hortus conclusus, surge a vegetação ampliada nas paredes espelhadas; a água, por sua vez, simboliza o renascimento e a purificação humanas.

Santuário da Invulnerabilidade Áustria / Roménia
O centro do jardim é marcado por pétalas brancas, colocadas em espiral, e que apontam para o alto. Este santuário é também rodeado por água, símbolo da purificação divina. «Neste percurso, somos permanentemente atraídos para o centro, por uma espécie de gravidade enfatizada na forma espiral».

A Procura Áustria / Noruega
A procura da perfeição, do conhecimento, da luz, é transmitida pelo labirinto, metáfora da dificuldade do caminho, na busca de algo. O que procuramos então: «O local/comunidade onde nos possamos sentir em casa. Portanto, seja o que for que estejamos à procura: religião, amor, futebol ou música, encontraremos assim uma comunidade».

Jardim da Vida Polónia
Uma cúpula em ferro ocupa o centro do jardim, simbolizando um local de meditação e oração. O jardim da vida representa o primeiro pecado, mas também as boas decisões – dois caminhos simbolizam o “bom e o mau”; este último, passa por uma macieira e termina num espelho para vermos a nossa imagem refletida, uma autoanálise dos nossos passos. 

Olho de Deus Polónia
Um abrigo em madeira está no fim do caminho; encontramos o conforto da sombra e da proteção no interior deste “iglo”, mas também somos prendados com a contemplação do céu, visível através da abertura no topo. «A união da natureza e da alma remove o véu da ignorância que cobre a nossa inteligência», numa citação dos autores, que serve de mote a este jardim que nos convida à introspeção.

Terramoto do Dia de Todos os Santos Estados Unidos da América
A 1 de Novembro de 1755, Dia de Todos os Santos, deu-se o terramoto de Lisboa. «Enquanto alguns encontraram consolo na religião, outros começaram a questionar a visão bíblica do mundo e a procurar respostas distintas». A recuperação da capital, às mãos do Marquês de Pombal, impulsionou um novo urbanismo e novas técnicas de construção, como a “gaiola pombalina”, uma estrutura antissísmica. Esta está simbolicamente retratada no jardim, com colunas inclinadas, colocadas nas gaiolas de madeira: a religião e a razão entrelaçadas.

Jardim Religare Brasil
Uma serpente, isto é, uma escultura com vinte metros de comprimento, domina o jardim; confecionada com resíduos sólidos, e respeitando os conceitos da eco arte e dos 5R –reduzir, reciclar, recuperar e reutilizar, serpenteia neste espaço. O seu interior é plantado, com mudanças da vegetação ao longo das estações, simbolizando também as mudanças de pele das serpentes, numa associação entre religião e natureza. 

Jardim Vertigem (ir)reversível Portugal
Este foi o jardim mais votado de 2019, sob o tema “Jardins do fim do Mundo”. O Juízo Final é aqui escalpelizado através de vários símbolos vegetais e inertes. A pureza do Alfa e a decadência do Ómega, visível em materiais ferrugentos, estão interligados por um caminho pecaminoso, povoado de plúmbeas gramíneas.

Os sete pecados do capital cruzam-se no caminho sinuoso da vida, que se aproxima perigosamente da extinção em massa, através das alterações climáticas. «É urgente uma economia verde, circular e sustentável, ética e educação, para reequilibrar estes pratos da balança», segundo concluem os autores deste enigmático jardim.