por Filipa Moreira da Cruz
Nos dias de hoje, «qualquer diferença torna-se uma patologia». Quem o disse foi o pedopsiquiatra francês Thierry Delcourt. Segundo o mesmo, nos últimos 15 anos, o número de crianças diagnosticadas como hiperativas ou autistas aumentou consideravelmente e as políticas dos atuais governos contribuem (e muito!) para esta triste realidade.
Em certos Estados Norte Americanos, 25% das crianças, de uma mesma classe, são medicadas contra a própria vontade dos pais. Os professores são obrigados a vigiar que cada aluno toma os comprimidos antes de entrar na sala, sob pena de sanções. Os laboratórios farmacêuticos fazem a lei e os dirigentes políticos alimentam este poderoso lobby.
Durante vários séculos, as crianças eram consideradas como acessórios. Nas famílias mais pobres eram mais bocas para alimentar e mais braços para trabalhar, enquanto nos meios sociais abastados não passavam de criaturinhas barulhentas e mantidas à distância, graças às incansáveis amas.
Avançamos nos direitos dos mais novos e nos deveres dos mais velhos. Pais, educadores, tutores, professores têm responsabilidades e obrigações. Afinal, só tem filhos quem quer… Ou pelo menos, deveria ser assim. Muitas vezes, a hiperatividade infantil é vista como um flagelo e nada melhor que administrar as pastilhinhas às crianças.
O sistema de ensino ainda não é capaz de moldar-se aos tempos atuais. Continua rígido e intransigente. Exige que as crianças aprendam a ler e a contar ao mesmo tempo. Não valoriza as aprendizagens transversais, a criatividade nem a espontaneidade. Felizmente, há exceções como a escola da Ponte em Portugal e os sistemas Waldorf, Montessori e ‘Amara Berri’. Os meus filhos tiveram a sorte de integrar este último quando vivemos em San Sebastian e nas Canárias.
Surpreende-me e choca-me a quantidade de crianças francesas que frequentaram e ainda frequentam os terapeutas da fala e os ortofonistas. O meu marido ficou traumatizado com os oito anos passados a deletrear. E tudo por ser canhoto! Uma amiga que é ortofonista explicou-me a pressão a que estão submetidos para ensinar a ler e a escrever a crianças sem qualquer problema, para aliviar os professores e os encarregados de educação. Um absurdo! Ela teve a coragem de recusar e passou a tratar pacientes que sofreram AVC ou traumas. Não entende porque razão esta profissão está sob a tutela do Ministério da Educação e não do da Saúde, como seria de esperar.
A minha mãe foi professora do ensino básico durante mais de 40 anos e uma das minhas irmãs é educadora de infância. São as duas bastante críticas em relação ao desfasamento entre a escola e as necessidades das crianças e isso já lhes valeu algumas disputas. O que me admira é que os recém-licenciados são ainda mais retrógrados que as gerações anteriores. Saem das universidades formatados e convencem os pais de que os seus filhos têm um problema e precisam de ser seguidos pelo psicólogo.
A sociedade obriga, desde a mais tenra idade, a encaixar no molde porque dá menos dores de cabeça se formos todos iguais. Mas que aborrecido seria se gostássemos todos de azul e de gelado de morango! As crianças são hiperativas porque transbordam de energia e reclamam atenção. Quanto aos pais, muitas vezes, são passivos por falta de vontade e de tempo.