Todos os testemunhos ouvidos pelo Nascer do SOL e nas investigações ao acidente que envolveu o carro do ministro Eduardo Cabrita, vitimando um trabalhador de 43 anos na A6, admitem que a viatura circulava a mais de 200 km/h. Aguarda-se a perícia da BMW ao carro, que está equipado com um computador interno onde é guardada toda a informação e que deverá ser feita pela marca nos próximos dias. Elementos relativos à hora da passagem nas portagens permitirão calcular a média de velocidade a que o carro seguiu até ao momento do acidente, sendo mais difícil serem usados para determinar a velocidade quando ocorreu o despiste. Ao que o Nascer do SOL apurou, a comitiva do ministro ainda buzinou quando se apercebeu do trabalhador na via, mas a velocidade a que seguiam já não evitou a tragédia.
Como acontece habitualmente nas deslocações, o carro do ministro era acompanhado por uma viatura do corpo de segurança pessoal da PSP, que seguia do lado direito na estrada com duas faixas. Atrás vinha uma terceira viatura, com elementos civis do gabinete de Eduardo Cabrita. Ao que o Nascer do SOL apurou, existem assim pelo menos seis testemunhas do acidente, além dos dois trabalhadores que se encontravam junto ao carro de apoio dos trabalhos de manutenção e limpeza a cargo da empresa Arquijardim. O trabalhador estava a iniciar o atravessamento da estrada depois de ter ido buscar sinalização ao separador central. Fonte próxima da investigação admite que como há uma ligeira curva próxima do local, pode ter olhado e não ter visto nenhum carro e quando ouviu a buzina instantes depois, recuou mas acabou por ser colhido mortalmente.
Eduardo Cabrita saiu do carro, entrou na viatura do corpo de segurança da PSP e seguiu para Lisboa, o procedimento no transporte de figuras de Estado. No local ficou o motorista, que fontes ouvidas pelo Nascer do SOL admitem que se encontra em estado de choque. Adiantam também que se trata de um civil contratado pelo gabinete ministerial. «Não tem nada a ver com a PSP nem com a GNR», explica fonte da PSP.
O inquérito, dizem fontes policiais, levará seis meses a ser concluído mas o Nascer do SOL sabe que as testemunhas oculares já começaram a ser ouvidas. E a velocidade a que seguia Cabrita não é surpresa. «Não conheço nenhum ministro que faça uma viagem de autoestrada e que o carro vá a menos de 170», acrescenta outra fonte da PSP, explicando que é normal os carros governamentais andarem a velocidades excessivas, algo permitido na lei – à semelhança das ambulâncias – mas apenas quando estão em «serviço urgente de interesse público».
De acordo com informação disponibilizada no site do Governo, o MAI tem oito condutores ao seu serviço, quatro dos quais no gabinete do ministro – que auferem 2 127,38 euros de rendimento bruto mensalmente, além dos extras. Por norma, os condutores são recrutados no partido que está no poder, criando até uma certa mágoa nos polícias. «Ganha-se muito mais do que na PSP ou na GNR e é preciso agradar à tropa partidária», acrescenta a mesma fonte. Curiosamente, o carro usado pelo ministro terá sido requisitado pela GNR e atribuído ao governante por despacho pessoal do próprio Eduardo Cabrita.
‘Não deve haver mais celeridade’
A investigação é encarada como complexa. «Eu não estava lá, mas a questão é esta: há um acidente com mortos e o Núcleos de Investigação Criminal de Acidentes de Viação (NICAV) toma conta do acidente. Passa a inquérito, são ouvidas as testemunhas – neste caso, o condutor e o senhor ministro – e testemunhas oculares. Não é por ser o carro do senhor ministro que deve haver mais celeridade no processo», começa por transmitir José Alho, dirigente da Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda (ASPIG/GNR).
Já outra fonte policial acrescenta outro dado importante: «Se há entrada na Via Verde e se sabe exatamente a hora, é possível detetar a velocidade a que ia o carro, mas nunca pode valer alguma coisa em tribunal porque não está aferido o aparelho. Juridicamente, é impossível avançar», explica. «Quantas vezes não tira o papel na portagem e não vê que a hora não está certa», adianta ainda a mesma fonte.
‘Exige-se que não tentem aligeirar responsabilidades’
Para o advogado do trabalhador, houve uma tentativa de aligeirar responsabilidades. Apesar de, volvido um dia do acidente, o MAI ter esclarecido, em comunicado, que não existia sinalização para alertar os condutores dos «trabalhos de limpeza em curso» na autoestrada quando ocorreu o acidente, o advogado garante que este texto «não corresponde à verdade e é essa a grande infelicidade do MAI». E até aqui continua a haver nenhum contacto direto com o Ministério. «Não tive qualquer contacto com o MAI. Se existisse alguma pressão, seria complicado, porque eu não me calaria. Tenho um conceito da advocacia clássico em que o advogado é efetivamente um defensor dos mais necessitados», garante José Joaquim Barros, advogado da família de Nuno Santos, depois de esta semana ter sido noticiado que tinha havido obstáculos à peritagem. Ao que o Nascer do SOL apurou, as peritagens vão avançar esta semana.
«A família, como já é mais ou menos público, recebeu, antes do funeral, uma carta formal de condolências assinada pelo senhor ministro. Depois, dois senhores guardas entregaram uma coroa de flores à viúva, em nome dele, e um cartão de condolências», sublinha o advogado, adiantando que «a família está em grande sofrimento pela partida de um homem com uma energia e vivacidade extraordinárias».
Naquilo que diz respeito ao relatório da autópsia, o profissional explica que não tem conhecimento «sequer do relatório provisório», adiantando que lhe foi comunicado que «os ferimentos não eram muito visíveis, eram mais de cariz interno».
«Aquilo que me foi transmitido foi que os colegas queriam chegar ao pé do corpo e a comitiva do senhor ministro não o permitiu», porém, «um deles insistiu tanto que acabou por ver e entender que a aba do colete refletor estava puxada para cima para tapar a face do Nuno Santos. Penso que foi um dos membros da comitiva que fez isso, pois diz-se que o senhor ministro nem sequer saiu do carro. Se o fez, foi para entrar noutro», afirma José Joaquim Barros, para quem «o caso tem sido tratado com total opacidade».
Este caso tem contornos semelhantes ao do acidente que ocorreu em novembro de 2009, em que esteve envolvido um carro em que seguia o então secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, Mário Mendes. O motorista foi condenado a 21 meses de prisão com pena suspensa. Na altura, caíram os crimes de ofensa à integridade, por não ter havido queixa.