É uma situação relativamente comum e que tem acontecido cada vez mais», explica ao Nascer do SOL o presidente da Associação Portuguesa de Treino de Vela (Aporvela), João Lúcio, relativamente ao aparecimento de orcas na costa de Sesimbra.
Foi no passado domingo, dia 27 de junho, que se deu mais um episódio em que orcas causam estragos em embarcações. Nesse dia, a Autoridade Marítima Nacional (AMN) teve de proceder ao auxílio de quatro tripulantes de um veleiro que ficou sem leme após a interação com os animais.
De acordo com a autoridade, o alerta foi dado pelas 11h00 e o auxílio foi prestado pela estação salva-vidas de Sesimbra, na zona da praia da Mijona. «No local, os elementos da Estação Salva-vidas de Sesimbra constataram que os quatro tripulantes se encontravam bem, tendo efetuado o reboque da embarcação até à baía de Sesimbra, por questões de segurança para a navegação» – lia-se no comunicado da AMN.
No entanto, João Lúcio dúvida que aquilo que se passou no passado fim de semana se trate de um ataque: «As orcas são animais muito curiosos, tal como os golfinhos e as baleias, é normal que acompanhem os barcos». Além disso, o presidente da Aporvela lembra que estes «são animais muito poderosos» e que, por isso «qualquer encosto a uma embarcação, provoca logo um susto».
Questionado sobre se a aproximação da costa poderia acarretar riscos quer para os animais, quer para as pessoas o especialista afirma acreditar que não, uma vez que, por um lado «a nossa costa tem uma plataforma continental bastante curta, além de que é muito funda e com falésias», não havendo por isso casos reportados de animais que terão ficado encalhados. «Às vezes há golfinhos que dão à costa, mas por doença, não por terem ficado presos», explica João Lúcio.
Por outro lado, relativamente à segurança das pessoas, esta não parece estar em causa: «Não há nenhum caso confirmado de ataque a uma pessoa, ao contrário do que acontece com os tubarões, que às vezes dão umas dentadas nas pranchas dos surfistas, por exemplo».
Miguel Lacerda, especialista em mamíferos aquáticos, acredita, no entanto, em explicações diferentes para os mais recentes encontros: «Tudo me leva a crer, em relação àquilo que se está a passar, que a justificação é o mau comportamento humano». Miguel Lacerda afirma que «como no mar tudo é muito monótono, é normal que, não são as orcas, como os cetáceos no geral, tenham vontade de acompanhar as embarcações quando estas aparecem».
Pela experiência de vários anos com cetáceos, o especialista considera que «existiu um comportamento que levou as orcas a tomarem uma atitude». Este comportamento pode ter sido causado por negligência humana, como um excesso de aproximação por parte de um barco.
«Quero acreditar que estes comportamentos se devem a um embate que terá existido contra o grupo de orcas, uma vez que há uma delas que tem duas marcas grandes na cabeça», afirma Miguel Lacerda. «Depois de serem agredidas, as orcas tomam comportamentos que não são normais para elas», esclarece.
Apesar de existirem vários grupos de orcas que vêm deste Gibraltar, este é um grupo que se desloca com alguma frequência perto da costa portuguesa, tendo os casos vindo a ser cada vez mais comuns.
Porquê aqui?
As orcas são animais que não necessitam de uma temperatura específica de água para se adaptarem. Tanto as podemos ver no Antártico como no Mediterrâneo e, por isso, não é estranhar que de vez em quando sejam avistadas na nossa costa.
Relativamente ao aumento da temperatura da água do mar devido ao aquecimento global e à influência que esse fator pode ter nos roteiros das orcas, João Lúcio explica que não é significativo: «O aumento da temperatura varia muito em função da época do ano. Além disso também é influênciado pelo anticiclone dos Açores, que dá origem às nortadas. Esse vento força a camada superior da água a deslocar-se com uma maior velocidade e depois como essa camada é reposta?
Através de um fenómeno chamado upwelling, que são as águas do fundo que sobem, com uma corrente ascendente, fazendo assim com que a água à superfície fique muito mais fria e também com mais nutrientes». Logo, o degelo e o aquecimento global não têm influência direta nos caminhos que as orcas escolhem seguir.
Um caniche e um cão Serra da Estrela
Ricardo Tomaz trabalha na empresa de animação turista Vertente Natural e capturou imagens do momento em que navegou com as orcas ao seu lado. Também ele conta a Nascer do SOL que este é um fenómeno «que começa a ser considerado comum». Tomazavança que após ter sabido do embate entre as orcas e o veleiro, navegou para junto delas, de modo a que o barco que havia sido atingido pudesse ficar em segurança, uma vez que «as orcas não têm por hábito atacar semirrígidos, mas sim veleiros».
Após a embarcação que Ricardo navegava se ter aproximado, os cetáceos acompanharam-no e seguiram de seguida o seu caminho. O animador turístico lembra que também os golfinhos podem ter o mesmo comportamento que estas orcas «mas é como compararmos um caniche a um cão Serra da Estrela: se o segundo nos saltar para as pernas de certeza que vamos ficar com marcas que não ficaríamos se o mesmo tivesse acontecido com um caniche».
Outros casos
Não é a primeira vez que um caso como este acontece. A 4 de outubro de 2017, dia em que se comemora o Dia Mundial dos Animais, foi avistado um grupo de oito orcas na zona da Costa da Caparica. De acordo com a publicação da página Lisboalive no Facebook, nunca se tinha visto «nada assim».
A partir daí as interações foram-se tornando mais comuns e em agosto do ano passado veio a público a notícia de que um grupo de «orcas desorientadas» tinha atacado um bote de borracha que seguia a reboque de um veleiro perto da praia da Fonte da Telha, em Almada. De acordo com o Correio da Manhã, os animais mostraram sinais de estarem desorientados e acredita-se que, por isso, tenham confundido a embarcação com outra espécie como uma foca ou um atum.
Ainda em outubro do ano passado o filho de Luís Bessone Basto, figura lendária do desporto náutico português, contou ao Diário de Notícias que o pai tinha durante «10 a 15 minutos» passado por «momentos de pânico» devido ao ataque de orcas ao veleiro que dirigia.
Apesar de estarem a ser cada vez mais os casos reportados de interações entre orcas e embarcações, os acontecimentos levaram a que o grupo Coordenador de Estudos de Mamíferos Marinhos (CEMMA), com sede na Galiza, se debruçasse sobre os acontecimentos mais recentes.
De acordo com dados divulgados em setembro do ano passado, relativamente ao verão anterior, foram reportadas 26 interações de orcas com veleiros: 6 no Estreito de Gibraltar, 4 na costa portuguesa e 16 na Galiza, onde também se registaram observações de orcas ao largo da costa e em algumas praias.
Segundo a CEMMA, as interações registadas no verão passado «são considerados feitos inéditos e não correspondem ao normal comportamento das orcas, o que faz suspeitar que possa ter ocorrido algum incidente involuntário em que pelo menos dois indivíduos juvenis possam ter ficado feridos por contacto direto com um veleiro».
O grupo informou ainda que alguns dos dados recolhidos parecem indicar que «estas interações são realizadas por um pequeno grupo de orcas juvenis no âmbito do já conhecido comportamento curioso que envolve normalmente um contacto físico direto e que no caso dos veleiros poderá ter originado roturas do leme ou outras avarias».
A CEMMA informou ainda que continuará a estudar o comportamento destes animais e que, apesar de «um modo geral não são agressivos» para o ser humano, «convém não esquecer que são animais selvagens» e por isso não é de todo aconselhada a aproximação. Também por serem espécies protegidas por lei, a perturbação não é permitida.