Por Nélson Mateus e Alice Vieira
Querida avó,
Como corre essa estada pela Ericeira? Já estiveste com as tuas ‘Magnificas’? Essas, e outras jagozas já deviam estar mortas de saudades.
Agora que estás pela tua ‘pátria’, vê se aproveitas para carregar baterias e descansar, verbo que desconheces (ou pelos menos não aplicas).
Aproveita para colocares as tuas séries em dia. Estás sempre a pedir-me sugestões para veres na Netflix.
Aqui vai uma que irás certamente gostar: O Método Kominsky.
Episódios bem curtos (como tu gostas) e com um humor que te vai fazer soltar umas belas gargalhadas.
A série tem como protagonistas Michael Douglas (um belo rapagão), que faz o belíssimo papel de Sandy Kominsky, e o seu melhor amigo Norman Newlander, representado por Alan Arkin. Os amigos, juntamente com outros personagens, enfrentam com humor as alegrias e as agruras do processo de envelhecimento.
A série já vai na terceira temporada. À medida que embarcam em novas aventuras, Sandy e Norman, tal como o comum dos mortais, questionam-se sobre o propósito da vida, descobrem que, apesar da idade avançada, o mundo nunca vai deixar de surpreendê-los.
Aquilo de que passamos a vida a falar: nunca é tarde para nada!
Já lá vai o tempo em que, aos 60 anos, as pessoas achavam que tinham chegado ao fim da vida (mesmo que viessem a morrer aos 90).
Ainda recentemente a minha dentista me dizia que tem uma paciente com mais de 80 anos que está a colocar implantes.
Para além de tudo o que diz respeito à saúde, quer sentir-se mais bela. Não é maravilhoso?
Já ouvi dizer que aí na Ericeira, na Casa de Cultura Jaime Lobo e Silva, inaugurou a Exposição Passeio na Vila de José Fernandes, em homenagem à tua querida Cher Neptuno.
Apesar de estares vacinada, e andares sempre de máscara, não te metas aí de bar em bar que a coisa não está fácil!
Conta tudo a este neto que tanto te quer.
Saudades.
Bjs e até breve.
Querido neto,
até parece que não me conheces. Tenho todo o cuidado do mundo! Aqui até acham que sou cuidadosa demais, vê lá!
Mas a minha pátria está linda, como sempre.
E de vez em quando, ao olhar para as rochas, lembro-me de uma história que aconteceu há muitos anos, quando eu vivia aqui e os meus filhos eram pequenos. Havia um vizinho nosso, mesmo ao lado da nossa casa, de poucas falas e que raramente víamos: ou estava em casa ou enfiado nos bares… Uma tarde eu e as minhas duas crianças estávamos na praia a fazer papagaios de papel, coisa de que eles gostavam muito e que hoje, creio, nenhum miúdo sabe fazer. Um já estava pronto, com uma grande cauda e muitas estrelas atadas na cauda. E deitámo-nos a correr pela praia para o lançar.
Mas, ou corremos depressa demais, ou havia vento demais. O que é certo é que o papagaio subiu, subiu no céu e ficou preso numa das arribas do mar.
Eles desataram a chorar, eu dizia ‘vamos fazer outro!’, e eles, ‘não queremos outro, queremos aquele!’ Eu bem lhes mostrava onde tinha ficado preso o papagaio, mas nada os convencia. Berravam e só diziam ‘queremos aquele!’.
E foi então que eu vi chegar o nosso vizinho, baixinho, de bermudas e sandálias, e trepar por aqueles rochedos íngremes, saltar de um para outro, e eu só a murmurar ‘ele vai cair dali abaixo!’, e a tapar os olhos dos meus filhos para que não assistissem à tragédia que ia acontecer. E de repente vejo-o ao pé de nós, como se viesse do céu, a entregar o papagaio aos meus filhos, ‘pronto, aí o têm’, e a voltar para casa como se nada tivesse acontecido.
Chamava-se José Cardoso Pires — e tenho a certeza absoluta que, ao escrever o romance Alexandra Alpha, que começa com aquele anjo que vem pelos ares a voar pelo mar, foi aqui que ele se inspirou.
Como vês, a minha pátria está cheia de histórias.
Qualquer dia conto-te outra.
Obrigado pela sugestão da Netflix. Logo já vou espreitar.
Beijinhos e tem cautela, que isto está feio outra vez.