Londres. Pela terceira vez esta semana, Wembley aceitará, apesar de todas as contingências que fizeram deste o mais burocrático Europeu de todos os tempos, com restrições que, aqui no Reino Unido, foram ao exagero de nos obrigarem a comprar dois testes para serem feitos em casa e depois enviados por correio para um laboratório para podermos, finalmente, estar autorizados a atravessar a fronteira – já agora, o sistema funciona tão bem que o meu primeiro teste ainda está para ter resposta, mais de quarenta e oito horas depois de ter sido enviado –, mais de 60 mil pessoas nas bancadas para assistirem in loco a uma final inédita mas nada imprevisível e que premeia, de facto, duas das melhores equipas do torneio.
O jogo é de cartaz! Inglaterra e Itália têm tido ao longo dos anos um papel fundamental na história do futebol mundial, mesmo que a seleção inglesa nunca tenha atingido o protagonismo que a vaidade dos seus adeptos exige. Foram muitos e muitos anos a desprezar por completo o jogo que se ia praticando fora da Grande Ilha para cá da Mancha._Tanto assim que a Inglaterra, tal como a Escócia, a Irlanda do Norte e o País de Gales, se recusaram a participar em campeonatos do mundo, alegando uma superioridade de tal forma gigantesca que seria humilhante, para não dizer incomodativo, terem de se misturar com pontapeadores de bola de meia-tijela. Entretinham-se a jogar entre eles, no Campeonato Britânico, e foram vendo os outros – principalmente a Itália, ganhar um tal de Taça Jules Rimet com um sorriso de desprezo no canto da boca. Quando, finalmente, puseram os pés em terra, isto é, no Mundial de 1950, no Brasil, já o Uruguai (uma vez) e a Itália (duas vezes) tinham sido campeões do mundo. E o choque foi de tal modo doloroso que se viram batidos, logo na primeira fase, por uma seleção dos Estados Unidos que ninguém levava a sério, muito menos os jornalista desse tempo que trataram de receber os cabogramas chegados do lado de lá do Atlântico modificando os números de 0-1 para 10-1, convencidos que só assim se explicava tal impossibilidade.
A vantagem italiana
Reconheça-se um gesto de humildade vindo dos pretensiosos britânicos: em 1934 e em 1939, anos da vigência italiana como campeã mundial, a Inglaterra aceitou disputar duas partidas com a tal squadra azzurra que berrava aos quatro ventos ser a melhor das melhores. O snobismo manteve-se intacto com uma vitória caseira em Highbury por 3-2, com três golos marcados logo nos primeiros 15 minutos (foi o enorme Giuseppe Meazza que assinou a revolta italiana nos dez minutos finais); e um empate 2-2 num San Siro carregado com mais de 70 mil espetadores ansiosos para verem jogar os mestres ingleses que não se misturavam com a plebe.
O tempo tratou de pôr as coisas no seu lugar, como sempre faz. Hoje em dia, num total de 27 jogos entre ambos, os italianos levam vantagem: onze vitórias, oito empates e oito derrotas. Em 2012, na Polónia e na Ucrânia, ano daquela final terrível face à Espanha (0-4) que os ‘azzurri’ querem ver enterrada de vez na tumba dos esquecimentos, estiveram frente a frente nos quartos-de-final e, depois de um empate monótono (0-0), a Itália seguiu em frente à custa de grandes penalidades. Em 2014, em Manaus, no Mundial do Brasil, a Itália ganhou o jogo da fase de grupos por 2-1, golos de Marchisio e de Balotelli contra o de Sturridge. Curiosamente, o árbitro foi o mesmo de amanhã, o holandês Björn Kuipers, uma espécie de menino-bonito da estrutura da arbitragem da UEFA.
Muito, ou quase tudo, se alterou nas duas equipas, a começar pelos selecionadores. Gareth Southgate – precisamente o homem que, em 1996, falhou o penálti decisivo no desempate frente à Alemanha nas meias-finais desse Euro – tem um estilo mais conservador do que o seu colega Roberto Mancini. Não é de estranhar, já que o primeiro era central e o segundo era avançado. Estas coisas ficam no sangue. Mas, com o estilo menos abana-pinheiros, que era marca indelével da Inglaterra, mais maleável taticamente, com um jogador fundamental na movimentação ofensiva como Kane, que faz golos mas também deixa o seu posto para que outros apareçam nele a fazê-los (veja-se o que aconteceu no um-a-um com a Dinamarca), os resultados surgiram. No Mundial de 2018, na Rússia, foram afastados da final pela Croácia; na Taça das Confederações, aí em Portugal, perderam a meia-final com a Holanda, em Guimarães. Vi ambos esses jogos. E entendo a menor pressão que Gareth Southgate impõe aos homens da frente, preferindo ganhar espaços à custa da velocidade de Sterling que tem tido momentos incríveis. O conjunto ganhou corpo, mesmo que dê a irritante sensação de que poderia arriscar mais, algo que os adeptos também exigem com a sua constante cantoria: «Football is coming home!».
A Itália de Mancini tem sido uma das belas novidades do futebol dos últimos tempos. Para já descobriram a Pedra Filosofal do futebol divertido, e é possível vê-lo nas combinações do meio-campo e ataque. Cá atrás, sobra riso e gargalhadas ao velho Chiellini que, na companhia de outro veterano, Bonucci, forma a que é, muito provavelmente, melhor dupla de centrais deste Europeu. Depois, o ataque é surpreendentemente eletrizante, com as alterações constantes de posições entre Insigne, Immobile e Chiesa, aos quais se junta o apoio frequente de Barella que vive da liberdade que lhe dá a extrema segurança de Jorginho. Contra a_Espanha (sobretudo quando Luis Enrique fez entrar um ponta-de-lança) sofreram como nunca até agora. Mas a Inglaterra não tem a capacidade de controlo de bola dos espanhóis, sendo de prever um jogo bem mais esticado no campo, em vaivém. Se os ingleses são pedantes; os italianos são vaidosos. Talvez por isso lidem, uns e outros, tão mal com as derrotas. Mas amanhã alguém vai ter de sair derrotado da tarde-noite de_Wembley. Está na hora de_Portugal entregar o cetro que segura há cinco anos…