Itália-Inglaterra. Regressar a casa em três minutos e sair pela porta do cavalo

“Il calcio torna a casa!”A tremenda entrada da Inglaterra foi-se desvanecendo e a Itália é campeã da Europa.

LONDRES – Se, no seu hino, os ingleses gabam a graciosidade da rainha – “God save our gracious Queen”, que já foi mais graciosa, como por exemplo em 1966, quando entregou a Taça Jules Rimet ao capitão da Inglaterra, Bobby Moore, mas ainda se mantém uma velhota rija –, e lhe desejam uma vida ainda mais longa, “long live to our noble Queen”, os italianos viram-se para os irmãos e abrem os pulmões para lançarem um alerta – “Fratelli d’Italia/L’Italia s’è desta (Irmãos de Itália/a Itália acordou) – hino que, de forma bastante ordinária, os ingleses de Wembley trataram de vaiar e assobiar em uníssono, desafiando os castigos do Destino. Resumidos ao confinamento atrás da baliza sul, os Fratelli d’Italia não conseguiam fazer-se ouvir perante o urro inevitável de “The football is comin’ home”. Logo eles que também reclamam para si a invenção do jogo que, segundo diversas opiniões, teria brotado do Calcio Fiorentiono.

Na hora da cerimónia de despedida de mais um Campeonato da Europa, a Taça Henry Delaunay, num gigantesco e insuflável objecto de um prateado capaz de cegar um amblíope, foi colocada no centro do relvado, talvez para abrir o apetite aos contendores e, sobretudo aos mais de 66 mil espetadores que estiveram ontem em Wembley. A taça que Portugal guardou durante cinco anos estava pronta a seguir o seu caminho, desta vez para fora da Península Ibérica onde morava desde 2008. Coube a Éder, o marcador do golo em Saint-Denis, há mais de cinco anos, depositar a autêntica no plinto de onde o capitão vencedor viria reclamá-la. Mas não é difícil, na história dos Europeus, recordar as noites em branco dos derrotados que jogaram finais. E não era difícil imaginar a desilusão que cairia sobre os arrogantes bretões em caso de derrota. Há que dizer que o golo de Luke Shaw logo aos 3 minutos, pareceu confirmar a ideia de que os Três Leões estavam de regresso a casa. A Itália fora, evidentemente, apanhada completamente desprevenida no rapidíssimo contra ataque britânico. A supres de Trppier lançado por Southgate a titular já tinha dado resultado ainda antes de os seus detratores, que também os há por ser excessivamente conservador, pudessem pôr a língua a funcionar.

Ora bem, chovia forte e feio em Londres e a noite tornava-se fantasmagórica para os italianos. Marcar golos a esta Inglaterra não é tarefa fácil, mas urgia. Mas, na verdade, os ingleses tinham o completo domínio do que ia acontecendo. Ao contrário de muitas seleções que tiveram ao longo dos anos, esta não se deixa cair ingenuamente na necessidade de devorar um opositor caído. Vigia-lhe os movimentos e espera pelo momento de lhe desferir novo golpe. Ou seja, o jogo abrandou. Mas isso não significava que Itália se tornasse perigosa. Chiesa exagerava nas tentativas individuais, os defesas da casa sentiam-se à vontade, Insigne não justificava o apelido, ao contrário de Immobile, a Sterling era dada a liberdade para andar por ali a atropelar os italianos que lhe desse na gana. E não passávamos disto.

 

Dúvidas

Cabia a Mancini mexer na sua equipa e dar-lhe um cariz mais prático do que aquela sucessiva troca de bolas que não levava a nado nenhum e muito menos à baliza de Pickford. Mas o seleccionador das duas uma: ou confiava cegamente no seu onze inicial, ou tinha dúvidas em relação aos pontos em que a sua equipa precisava de reboco. Vivíamos, portanto, uma longa fase de jogo sem balizas. Quando a bola as rondava era demasiado longe para provocar suspiros, quanto mais estragos.

A festa dos ingleses estava montada. Seriam os recém-chamados Berardi e Cristante capazes de estragá-la? Insigne está perto disso. Nas bancadas ouvem-se mais assobios do que cantos e não são a banda sonora da Ponte do Rio Kwai. Festejam-se cortes pelas laterais e pontapés para a frente sem tino. Num Europeu com tantos jogos de imensa qualidade, sobrou para a final um dos menos bem jogados. Fosse eu dizer isso a um dos adeptos da equipa dos Três Leões e seria, por certo, enforcado no velho cadafalso de Charing Cross. Não estavam ali por uma questão de estética. Só para ganhar e o resto que se quilhasse. Teve de ser um defesa, Bonucci (67m) a descobrir o caminho do empate. A Itália estava viva e renascia. E os Fratelli perguntavam agora: “Dov’è la Vittoria?” Dominam o jogo. A Inglaterra encolhe-se. Um maluco entra em campo e entretém-se a tourear os seguranças. O prolongamento devolve o orgulho aos ingleses e, desta feita, são os italianos que se preocupam e procuram aguentar o empate. Talvez algum lance surpreendente desate o nó um-a-um. Na verdade, o silêncio crescente demonstrava que já não muitos acreditavam nisso. As grandes penalidades decidiram o campeão.