por Filipe Anacoreta Correia
Este texto não é sobre Luís Filipe Vieira. Nem sobre António Costa ou sequer sobre Fernando Medina. É sim, sobre poder. E cobardia. Ou se quiserem, também sobre cada um de nós.
A história podia bem ser inventada. Em Portugal, um candidato à presidência do clube Sport Lisboa e Benfica (’SLB’) teve o apoio de várias personalidades, entre as quais o primeiro-ministro e o presidente de câmara. Não se tratou de um apoio ao clube, normal para com instituições prestigiadas do país e da cidade, mas do apoio a um candidato, entre outros, à presidência desse clube.
E sobre isto, não vale a pena ter subterfúgios linguísticos: o interesse do apoio não foi pessoal. António Costa e Fernando Medina integraram a comissão de honra desse candidato e tal honra advém não da sua qualidade de sócios, mas do cargo que exercem.
Talvez valha a pena, pois, contar a história de outro prisma: era uma vez um outro candidato, que tentou disputar as eleições do seu clube. Foi-lhe dito que tinha que vencer não apenas o seu adversário, mas todos os poderes da terra.
Que um candidato a uma qualquer instituição queira ter apoios que o valorizam não tem ciência. Mas que detentores de cargos públicos executivos se prestem a isso devia-nos fazer perguntar: porque raio em Portugal o Estado e a política têm de entrar em todas as lutas de poder?
António Costa ou Fernando Medina estão-se mais ou menos nas tintas para o SLB. Não prescindem de aparecer ao lado do presidente-candidato por uma razão simples: essa disponibilidade é suscetível de ser capitalizada politicamente.
Há, porém, neste caso outros contornos: já à época das eleições o presidente-candidato havia sido indiciado por crimes que levantavam dúvidas sobre a sua idoneidade. Já à época, Luís Filipe Vieira era suspeito de ser criminoso. Já à época, os candidatos que se lhe opunham invocavam essa matéria como motivação para as suas candidaturas. Porque razão então um primeiro-ministro e um presidente de Câmara não hesitam em reforçar a sua eleição e em contribuir para derrotar quem lhe quis fazer frente?
A resposta é simples: o desejo de poder é maior do que o da transparência. A aspiração de popularidade é maior do que a da justa preservação de um distanciamento que arbitre os esforços de vitalidade e de reforço interno das instituições. António Costa e Fernando Medina querem mais o seu bem político do que qualquer ganho ou perda para o SLB ou para qualquer outra instituição do país e da cidade.
De outubro a julho passaram pouco mais de oito meses. O entretanto eleito presidente é detido com suspeitas reforçadas de prática de crimes.
Não foi preciso um dia para ouvir Fernando Medina renegar o presidente-detido e dizer que só o apoiou porque não sabia de ilegalidades. É assim que dum dia para o outro se usa o que há para usar e se descarta o que pode sujar. A questão não é, obviamente, se Medina sabia se Vieira é ou não criminoso. A questão é que, quando alguns diziam que sim, o primeiro-ministro e o presidente da câmara tomaram parte e dificultaram quem sustentava o contrário. A questão é que o Estado não deve pôr o nariz onde não é chamado e os cargos que se detêm não devem ser instrumentalizados para projetos pessoais, sejam dos candidatos sejam daqueles que oportunisticamente se dizem seus apoiantes.
Esta atitude – sem dúvida, politicamente cobarde –, em Fernando Medina, não é nova e por isso não surpreende. Já anteriormente tinha dito que aquele de quem foi porta-voz no Governo e de quem recebeu ajuda para a sua eleição camarária, José Sócrates, é a vergonha da democracia.
Tudo isto é tão rápido e transparente que não nos pode deixar a assistir e fingir que não vemos. Um Estado assim – seja ele Governo ou Câmara Municipal – está-nos a transmitir uma mensagem clara. E essa mensagem é dirigida não apenas aos candidatos derrotados ou vencedores do SLB, mas a todos que assistem e são o público dessa mensagem.
Este poder não serve ninguém, mas serve-se de todos, que são obviamente descartáveis.
Quem não souber antecipar esse juízo será certamente vítima encarcerada ao abandono dos poderes públicos. Sejam eles presidentes de uma grande instituição desportiva, trabalhadores de uma qualquer estrada que se atravessem à frente de um carro ministerial ou simplesmente eleitores apáticos que, por ação ou omissão, os mantêm sem cuidar do seu futuro.
Esta história é, pois, muito mais sobre cada um de nós do que sobre aqueles que são notícia por estes dias.