Não é só a quarta vaga da pandemia, a variante Delta ou Lambda, que vão ditar a evolução dos nossos comportamentos, ou seja, o que vamos passar a fazer e o que vamos deixar de. Devemos à pandemia um conjunto de novas preocupações e necessidades que só por acaso as empresas estavam em condições de satisfazer.
Quando a covid deixar de ser uma ameaça – oxalá esse dia chegue depressa – muitos dos hábitos que adquirimos vão continuar a existir. Este contexto origina uma corrida de velocidade, contra o tempo, para satisfazer necessidades emergentes. Mas também, numa pista paralela, uma corrida de fundo para antecipar o que vais ser depois de tudo isto, tentar descobrir para onde vamos.
Por muito que se queira o que foi não volta a ser. A pandemia acelerou muito a utilização de canais digitais. O digital permitiu que conseguíssemos manter relações sociais à distância e acesso a soluções conforto e segurança sem sair de casa. Considerando um dado global revelado no estudo Business of Experience da Accenture Interactive, 80% das pessoas confirma que passou a usar mais o digital, que desenvolveu novos hábitos. Muitos serão para ficar. Difícil é perceber quais.
Um dos negócios cuja evolução tem sido muito evidente é o da higiene. Há três anos íamos a um restaurante e tínhamos o cuidado de lavar as mãos antes da refeição. Hoje temos de tresandar a desinfetante, usar máscara (há quem use duas) e até apresentar resultados de um teste negativo ou o certificado digital para qualificarmos como clientes. Os próprios restaurantes vão poder vender testes, qualquer coisa como ‘mesa para quatro e testes para três?’. Quem antecipou há três anos que um chefe de sala teria de ter competências de técnico de saúde pública? Vender produtos de higienização e de testagem à covid à data de hoje coloca muito mais desafios na capacidade de produção e entrega, do que na abordagem comercial. A necessidade é evidente. Mas daqui a três anos, vamos continuar preocupados com este tema? Vamos precisar de formas mais eficientes de higienização? Ou o vírus será uma coisa do passado e a necessidade passa? Não há forma de prever. A resposta está na capacidade dos negócios se adaptarem rapidamente às necessidades emergentes. E de cumprirem as promessas que assumiram.
Este é o momento das marcas assumirem o seu propósito e mostrarem de que forma querem ser relevantes. Se as pessoas hoje estão mais solidárias e atentas umas às outras, as marcas devem ter capacidade de acompanhar esta tendência, intervindo diretamente mas também potenciando o impacto das ações dos seus clientes. Todas as que defendem que o seu propósito passa pela construção de uma mundo melhor através de um impacto positivo da sua atividade, têm de ter a capacidade e a coragem para o demonstrar agora.
Durante situações de crise e ameaça como a que vivemos, ficamos particularmente atentos à atuação e ao contributo de todos e não tanto à promoção da semana. Vamos reconhecer as marcas que sentimos contribuírem mais para a nossa segurança independente de sermos clientes e até de estarmos no seu espaço de loja. Se o problema é de todos e está por todo o lado, as marcas que se dizem democráticas e comprometidas com um futuro melhor, têm de estar na linha da frente da entregar soluções que sirvam o conforto e o bem estar geral. E vale a pena arriscar. Urgem soluções inovadores, alternativas ou complementares ao álcool gel e às máscaras. Destas as pessoas não gostam. Tendo outras opções para se sentirem protegidas (a necessidade mais importante), é provável que as experimentem e que as venham a adotar mais facilmente.
Criar uma marca é um dos temas que mais apaixona quem trabalha nesta área. Encontrar um propósito, construir um posicionamento e definir uma estratégia de comunicação é um trabalho contínuo, exigente, cujos resultados levam tempo a consolidar. Apesar da importância da máscaras e do álcool gel, ninguém se vai diferenciar porque os vende mais baratos. Pelo menos durante muito tempo. Mas dificilmente esqueceremos as que nos permitiram ter acesso a medicamentos sem termos de nos deslocar à farmácia.
As empresas querem continuar a existir durante a pandemia e depois desta deixar de ser a ameaça que é. Neste desígnio não há soluções fáceis ou caminhos óbvios. Porém, a primeira pergunta a que devem responder é qual o seu propósito. Esta é âncora da relação de confiança. Muito mais do que a experiência de loja física, que conta tão pouco quando não podemos lá entrar.
Senior Manager da Accenture Interactive