O termo ‘junta médica’, só por si, impõe logo um certo respeito. Não deve haver ninguém que tenha de se submeter a uma avaliação destas que não vá de imediato trocar impressões com quem já passou pelo mesmo, ou pedir ajuda ao seu médico assistente.
A questão não é de todo pacífica e eu, como profissional de saúde, tenho bem a noção de que estou a abordar um tema polémico e delicado. Mas se, por um lado, pode gerar alguma controvérsia, por outro é importante analisá-lo, pois qualquer pessoa, atingida pelas vicissitudes da vida, pode ver-se de um momento para o outro nessa situação e deve saber com o que pode contar.
Posso partilhar a minha experiência das juntas de avaliação das incapacidades, tarefa em que participei para ajudar os colegas de saúde pública em tempo de pandemia. Este destacamento semanal fez-me contactar com a realidade de uma outra forma – e aperceber-me de casos dramáticos que podem, de repente, bater à porta de qualquer um. E ninguém está preparado para os enfrentar.
A missão deste órgão colegial é analisar diagnósticos e colocá-los dentro do enquadramento legal que temos de seguir, não podendo ir além daquilo que a lei nos permite. Por isso, a decisão final nem sempre é bem aceite pelos doentes, que naturalmente procuram melhores benefícios para a sua vida mas desconhecem a lei por completo.
Quantas vezes não nos sentimos frustrados e derrotados psicologicamente por não podermos ‘ajudar’ casos evidentes que justificariam uma orientação especial e um apoio indiscutível! Contudo, a legislação fala mais alto e só temos de a cumprir.
As juntas médicas de invalidez – necessárias para aqueles que, por motivos de saúde, têm de deixar de trabalhar – são muito procuradas não só pelos verdadeiros doentes mas também por quem pretende atirar ‘o barro à parede’, à espera que a ‘sorte’ o possa beneficiar. Nestas juntas, eu nunca participei; mas, pelo que me chega ao conhecimento, concluo que há muita falta de informação sobre o assunto – pelo que cabe ao médico assistente de cada doente explicar-lhe em pormenor o que está em causa, para ninguém dizer mais tarde não ter sido devidamente informado.
Porém, as juntas mais polémicas são aquelas que têm como objetivo verificar as situações de baixa. Também não tenho experiência alguma deste trabalho, a meu ver, nada gratificante, pois não é fácil para nenhum médico avaliar o trabalho de outro colega – ainda por cima, as mais das vezes, com o doente no meio a tentar tirar partido da situação em que se encontra.
E como se uma junta destas não fosse só por si controversa pelas decisões que tem de tomar, a maneira como algumas avaliações são feitas compromete irremediavelmente a sua credibilidade.
O testemunho de algumas pessoas que se submeteram a esta ‘verificação’ vem reforçar as muitas dúvidas e reticências que coloco. «Estive lá cerca de dois minutos», «Nem sequer olharam para a minha cara», «Não deram importância ao relatório do médico», «Parece até que estavam a gozar comigo» – são expressões utilizadas frequentemente por quem viveu o problema e que revelam, para além de uma evidente indignação, uma desconfiança total no funcionamento do serviço.
Neste contexto, vale a pena refletir: não será esta atividade um trabalho sério e digno como qualquer outro? Por que razão não é feito com mais rigor e imparcialidade? A decisão final de uma junta médica não tem de ser forçosamente um castigo para quem é convocado, como alguns dizem (e que eu nunca consegui contrariar). Tem de haver critério e ponderação, é certo, mas isso não significa que esteja implícita uma condenação antecipada. E quanto aos elementos da junta, são todos médicos? Se o não são, a decisão final não terá, na minha opinião, o mesmo significado.
Fica aqui a minha avaliação e o parecer de quem, como médico de família, viveu durante anos o drama de tanta gente. Recomendo aos meus colegas especialistas que sejam cuidadosos nas atribuições das baixas aos doentes e que elaborem as vossas informações clínicas de forma objetiva, clara e inequívoca. Aos colegas das juntas médicas peço que sejam mais criteriosos e isentos nas decisões finais.
Está-se a trabalhar com doentes – mas, mais do que isso, com seres humanos. Se a nossa missão é estar ao serviço do doente, é essencial dar disso testemunho em todas as situações. E se, pelo nosso código, os nossos colegas são como se fossem irmãos, há que demonstrá-lo, independentemente do posto de trabalho que cada um ocupa. Só assim nos podemos sentir justamente recompensados. E em posição de reconhecermos no final da carreira, como aconteceu comigo, que valeu a pena.