Lembro-me de, em criança, ter visto um célebre filme cómico onde alguém de uma avioneta atirava uma garrafa de Coca-Cola e ia parar a uma tribo de bosquímanos (penso que é assim que se escreve). Um dos chefes é encarregado de dar de volta aos deuses a célebre garrafa e acontecem peripécias incríveis.
É um filme maravilhoso que, pela temática, hoje, seria impossível de se realizar! Eu penso que hoje, para além dos deuses, também os homens devem estar loucos. E não é pouco! Há uma certa dose de insanidade que nem consigo classificar… É claro que alguns que estão a ler estas crónicas dirão que a Igreja tem muito dinheiro – apesar de, até ao momento, ninguém lhe ter feito as contas.
Atrevo-me, porém, a dizer que há algo na vida humana que está desregulada, algo que nos está a meter numa espécie de hospício coletivo, onde parece que os interesses privados estão acima do bem comum. As viagens turísticas ao espaço já se fazem, muito esporadicamente, desde o ano de 2001. Parece que, uma vez que não se pode fazer turismo na terra por causa da covid-19, agora está a iniciar-se o interesse por se fazer esta experiência de – acho – noventa minutos no espaço, pagando-se milhões de euros. Aliás, lá não há coronavírus.
Milhões de euros, nem quero acreditar. Há onze anos que estou numa Igreja para tentar juntar trezentos mil euros para conservar obras de arte do século XVII e leio na internet que, hoje, há pessoas a pagarem milhões de euros por meia dúzia de minutos no ar a olhar para a terra.
Os deuses devem de estar mesmo loucos, até porque abri hoje as notícias e vejo na Rádio Renascença uma reportagem que expõe famílias inteiras que tiveram de construir uma barraca por não terem duzentos e noventa euros para pagar de renda!
Estão a construir barracas no taludo, na estrada militar, junto ao aeroporto. Eu nasci ali perto, no Catujal, e estudei em Camarate, onde mais tarde fui parar como seminarista e, já como padre, estive como coadjutor. Ali vivi vários anos e acompanhei várias situações de grande fragilidade humana. Nos últimos anos muitos destes sítios de barracas já estavam a ser resolvidos. Os moradores foram para a Alta de Lisboa. Zona que de alta só tem o nome, porque continua a ser a Musgueira, mas com prédios.
Escondeu-se a pobreza em prédios mais ou menos bem construídos. Era para se construir mais, mas quando se percebeu que se queria misturar pobres com ricos, a construção parou! Não sei como resolver isto! Não sei mesmo! Não queria vestir a pele dos políticos que são escrutinados mais do que os padres. É fácil dar sugestões de governação, porque na realidade não governamos.
Aliás, uma das coisas que eu tenho observado é que quem fala muito habitualmente faz pouco. Observo que os que apresentam muitas sugestões sobre a forma como o governo deveria governar, habitualmente têm a sua vida desgovernada. Ora se não conseguem governar a sua vida, como podem estas pessoas governar um país ou uma cidade?
Não quero dar sugestões, porque não as tenho! Não quero dar soluções, porque nunca estudei para saber a melhor forma de governar a polis, a cidade.
Não posso, no entanto, de me deixar de interrogar, porque deixámos que a loucura dos deuses possa contaminar a sanidade dos homens? Como pode haver ao mesmo tempo alguém que gaste milhões de euros numa viagem de turismo ao espaço e na mesma altura uma família sem duzentos e noventa euros para pagar uma casa?