Todos os anos, centenas de jovens rumam até Vila Nova de Milfontes, no município de Odemira, para lá passarem a segunda quinzena de julho. No entanto, este verão, cerca de 400 jovens têm incomodado a população com excesso de ruído, desacatos, atos de vandalismo e até furtos.
«Esta situação arrasta-se há pelo menos dez anos, mas está a tomar proporções nunca vistas», começa por explicar Paulo Martins, de 50 anos, fundador do grupo STOP vandalismo em Milfontes, no Facebook, que passou de 70 membros para 4.000 no espaço de 72 horas. «Moro em Milfontes desde 1982, mas estive uns anos fora e voltei em 2016. Houve aqui uns episódios de vandalismo e decidi criar o grupo para encontrarmos os culpados e as causas», salienta o homem que destaca que «o bate-boca, sem imagens, não funciona».
Na ótica do impulsionador da partilha destes acontecimentos, nas redes sociais, os escassos recursos humanos da GNR e da PSP, no distrito de Beja, constituem a principal causa pela qual estes adolescentes e jovens não são travados. «A luta passa por reforçar os elementos das forças de segurança. O Ministério da Administração Interna tem de disponibilizar meios para que isto não seja uma selva. Quando houver um acidente grave, toda a gente vai jogar as mãos aos céus porque já se sabia».
Apesar de admitir que já passou por variados países, mas Vila Nova de Milfontes continua a ser «o cantinho mais espetacular» em que já esteve, Paulo frisa que «temos de saber viver em sociedade». «Em Lisboa, se forem para a rua gritar palavrões a plenos pulmões, a PSP não tolera. Aqui temos um posto da GNR com número limitado de efetivos. São chamados a uma ocorrência destas e o que é que fazem?», questiona, partilhando que tem conhecimento de que houve uma festa num pinhal e, depois de terem alegadamente atirado garrafas aos polícias, alguns dos jovens terão sofrido as consequências dos seus atos.
«Levaram com o bastão e ficaram com nódoas negras. Percebo perfeitamente a atuação da PSP porque isto só vai lá com uma resposta musculada», salienta, adiantando que «a maior parte dos miúdos tem 12, 13 e 14 anos», apesar de reconhecer que são acompanhados de amigos mais velhos, na medida em que se veem muitos automóveis a circular. «Já houve autos levantados por excesso de ocupantes porque chegam a estar 15 pessoas em carrinhas com cinco lugares», mas também «por excesso de álcool no sangue».
Por estes motivos, «na noite de quinta-feira houve outro tipo de intervenção», pois «vieram quatro carrinhas do grupo de operações especiais da GNR e foram averiguar aquilo que se passava numa festa na Zambujeira», na medida em que os adolescentes vão alterando os locais em que se reúnem para não serem facilmente descobertos.
«Tendo em conta este panorama, estou surpreendido por ver que ninguém se magoou a sério ainda», partilha, apelando à solidariedade para com os locais. «As pessoas não dormem e têm de trabalhar. Quem trabalha na hotelaria e na restauração tem de descansar para continuar a servir os turistas e isso inclui estes jovens. Prejudicam-se a eles mesmos porque não têm capacidade de ver nada».
Apesar disto, há pessoas que somente querem descansar e estão a sofrer represálias injustamente. É o caso de um grupo de jovens, «que não se identificam com a atitude dos outros, mas vestem-se como eles e foram insultados por alguns habitantes», algo que Paulo não estranha porque «acaba por haver uma generalização».
«Recebi relatos de agressões a um dono de um alojamento local, pois estava a tentar dialogar com eles porque lhe partiram uma porta e acabou por ser insultado, empurrado e jogado ao chão» e também «gozam com pessoas porque há o estigma do alentejano», sublinha, adiantando que, certo dia, foi tomar o pequeno-almoço a um café e uma jovem importunou-o.
«Queria sentar-se no meu lugar. Eu disse que não podia ser e ela sentou-se na mesma. Só se levantou quando a ameacei. Provocam muito. Parece que querem gerar situações de conflito», lamenta Paulo, avançando que estas ações aliadas a outras como a vandalização dos passadiços, os graffiti nas casas e a destruição de mobiliário urbano «geram um ódio cego na população local e isto é muito mau».
«Precisam de que os pais venham buscá-los»
«Não aguentamos mais nem temos que aguentar», começa por declarar Susi Dias, de 44 anos. «Nasci e cresci aqui e sei que a situação tem vindo a piorar. Este ano chegámos ao limite. A população não merece uma coisa destas nem os turistas que realmente querem aproveitar Milfontes. É surreal».
À semelhança de Paulo, Susi recorda que o pessoal da restauração e da hotelaria «trabalha exaustivamente e não tem descansado nada», situação provocada pelos desacatos levados a cabo pelos jovens que «vivem numa alucinação permanente». Na ótica da mulher, «no fundo, precisam de que os pais venham buscá-los» por estarem constantemente envolvidos em situações de risco. A título de exemplo, relata que muitas meninas pedem boleia a desconhecidos para se deslocarem até à Praia do Malhão. «Estão sujeitas a que alguém as leve e lhes faça aquilo que quiser».
«Quem é que paga os prejuízos? Carros partidos, as ruas estragadas… Ninguém paga. Os pais têm de entender aquilo que se passa. Passei pela zona onde eles estão concentrados, estava um rapaz da TVI a filmar e eles levaram aquilo no gozo porque vivem numa realidade paralela», confidencia, justificando que, muitas das vezes, ainda se encontram alcoolizados pelas 16h.
«Não respeitam minimamente as forças de segurança. E como são filhos de pessoas importantes e com dinheiro, as autoridades ficam com mais medo ainda de intervir», afirma, partilhando que têm a sensação de que, a cada dia desta quinzena, chegam mais «betos» à freguesia por estarem cientes «de que aqui têm o sentimento de impunidade».
«Vemos vomitado e urina por todo o lado»
Com apenas 24 anos, Bruno Soares só não está em Odemira quando se dedica aos estudos na Lisbon School of Economics and Management (ISEG), na capital. No resto do tempo, regressa ao Alentejo e, inclusivamente, em diversas férias de verão, trabalhou em restaurantes da região, conhecendo bem a realidade turística.
«Há aqui muitos miúdos que devem ser filhos de pessoas que vinham para cá fazer a mesma coisa. Uma professora minha do Ensino Secundário diz que isto já acontecia há 30 anos. A diferença é que não existiam redes sociais», conta o rapaz que, quando conduz, presta atenção redobrada à estrada por saber que «estes miúdos não se desviam».
Na perspetiva do estudante universitário, os factos de as discotecas estarem fechadas e de festivais de música como o MEO Sudoeste não acontecerem, geram frustração nas camadas mais jovens que, sem grandes diversões, acabam por se dedicar ao vandalismo.
«Vêm para aqui e fazem tudo aquilo que querem. Conheço um rapaz que é mais moreno e disseram-lhe ‘Vai trabalhar, indiano do car….’ por acharem que é um imigrante que está nas estufas», elucida, adiantando que a população mais idosa também é encarada com negligência. «Costumam dizer que ‘os velhos já não morrem porque têm a vacina’ quando os confrontamos com a covid-19. A verdade é que tivemos uma cerca sanitária há pouco tempo e os números podem escalar se não houver cuidado».
«Já trabalhei nos restaurantes e arrisco que mais 90% dos clientes eram de Lisboa, Oeiras e Cascais. Eram pessoas completamente normais. Nestes casos, os pais querem ir sossegados para o Algarve e deixam-nos aqui porque ficam a meio caminho», analisa o jovem que está descontente com tudo aquilo a que tem assistido.
«Saímos para o trabalho e temos os pneus furados e os vidros dos carros partidos, mas também vomitado e urina por todo o lado», diz, denunciando igualmente os furtos que têm decorrido. «Há funcionários da Super Bock que foram distribuir bebidas a Milfontes e explicaram-nos que um deles ficou sempre perto da carrinha porque os miúdos queriam roubar grades. E já roubaram comida na Galp», adianta. «Não podemos continuar assim», conclui.