por João Maurício Brás
«Onde a desinformação é nomeada, ela não existe, Onde ela existe não é nomeada».
Guy Debord
Vivemos em pleno século XXI Ocidental uma ofensiva esmagadora pelo controlo da informação e do que pode ser dito e pensado. As redes sociais e os média são campos minados pelos instrumentos de vigilância implacável do pensamento único. Pensamento conforme, expressões ilícitas, censura implacável, silenciamento, criminalização da opinião e até do humor, tudo isto voltou ao Ocidente. Os média, a praça pública (que são agora as redes sociais) foram vergados ao poder totalitário. A delação e a censura ressurgem como virtudes.
Fake news, desinformação e verdade, voltam em força, como na antiga Alemanha e na URSS. Ora, as fake news existem desde as cavernas. Enganar o outro, ou acusá-lo que engana para o desqualificar são práticas humanas imemoriais. Os progressistas descobriram nos anos 60 que não havia Verdade, nem factos, nem objetividade, apenas perspetivas, contextos, verdadezinhas e que tudo era relativo. Não havia verdade, a não ser a deles, claro.
Qual o significado profundo da verdade da pulsão sinistra dos fact checking?
No início dos anos 90 em França debateu-se a ideia de um certificado dos conteúdos mediáticos, com o selo de ‘garantido sem desinformação’. A imprensa tornava-se uma igreja para uma certa ideologia, com os seus dogmas, oficiantes consagrados e prosélitos.
Guy Debord, o homem que cunhou o conceito de sociedade de espetáculo refere a dimensão central do tema da desinformação. Conceito importado da antiga URSS, foi aí que a ‘operação’ se profissionalizou como instrumento fundamental na gestão do Estado. A desinformação é uma arma do poder, tem um papel de contraofensiva contra o inimigo. Quem dita o que é a desinformação é que tem o poder, e não quem resiste. A desinformação permite proteger um poder estabelecido. Quem se opõe à verdade oficial é o portador da desinformação proveniente de forças hostis e nocivas. Afinal o que é a desinformação senão o mau uso da verdade? E quem detém a receita do que é o bom uso? E onde reside a legitimidade do poder de quem designa e castiga o mau uso?
Quem detém o poder de assinalar o que é informação ou desinformação, a verdade e mentira, torna-se um deus não o sendo, tal como o Estado moderno é uma religião. Trata-se de falsificações abusivas e muito perigosas.
O fact check tornou-se uma espécie de abjeto martelo dos hereges. O instrumento que castiga os impuros, os que colocam em causa a paz e felicidade de um mundo sem manipulação. Esse é o ponto de vista do deus tirano, o que julga sem ser julgado e que tem o poder de fazer a lei de modo divino.
E se os facts checks forem na verdade uma especialização da manipulação? E se não passarem de agências do silenciamento do que faz perigar a dogmática estabelecida?
O poder de dizer ao outro que ele desinforma e reduzi-lo a nada é um poder não democrático, um poder que repugna.
No mundo que já não é real, apenas encenação e produção de eventos, já não somos atores das nossas vidas, mas espetadores bem comportados que se limitam a reproduzir os slogans ministrados diariamente enquanto repetimos em uníssono: «Estamos do lado do bem».
Expor o perigo dos facts checks em nada legitima a defesa de ‘publicações’ de uma direita bizarra e das suas teses de um mundo alternativo alucinado, especialista em vacinas, saúde, etc.