Kais Saied, o Presidente da Tunísia, jocosamente apelidado de RoboCop pelos seus discursos aborrecidos, chocou – ou entusiasmou, dependendo do lado da barricada – ou o seu país ao dissolver o Parlamento e afastar o primeiro-ministro Hichem Mechichi, apoiado pelo Ennahda, um partido islamita moderado, que contava com a maior representação parlamentar, esta segunda-feira. O Ennahda acusou Saied, que chegou ao poder como independente, de lançar um golpe, enquanto dezenas de milhares de opositores do Governo derrubado, criticado pela sua gestão da pandemia, saíam às ruas, em êxtase, lançando até fogo-de-artifício – o receio é que tudo descambe em violência.
“Ficámos livres deles”, preferiu salientar Lamia Meftahi, uma das muitas pessoas que saíram à rua. “Este é o momento mais feliz desde a revolução”, acrescentou Meftahi à CNN, referindo-se à Primavera Árabe, que varreu a região desde 2011, na qual a Tunísia foi dos únicos países a conseguir manter um Estado democrático, derrubando a anterior ditadura de Zine Ben Ali, sucedendo-se ainda assim anos de instabilidade politica e económica.
Agora essa instabilidade parece prestes a agravar-se. “A quem quer que dispare uma bala, as Forças Armadas vão responder com balas”, avisou o Presidente tunisino, face aos receios de uma reação do Ennahda.
Entretanto, o partido viu os seus escritórios locais incendiados em Touzeur, no sudoeste do país, enquanto escritórios da Al Jazeera na Tunísia – a emissora catari é acusada de ser pró-Ennahda – era alvo de rusgas das forças de segurança, algo que dificilmente pode ser lido como bom presságio.
Saied e Mechichi estão desavindos praticamente desde que o último chegou ao posto de primeiro-ministro, no verão passado, com o Presidente a opor-se à agenda austeritária do Executivo, que tentava obter um resgate financeiro do Fundo Monetário Internacional. Mas tudo se agravou com o recente pico de contágios de covid-19 na Tunísia, que chegou a ter mais de nove mil casos diários. O Presidente, comandante das Forças Armadas, chocara de frente com o Executivo ao passar por cima deste e colocar os militares a cargo da resposta à pandemia, criticando a lentidão na vacinação contra a covid-19.