por Filipe Anacoreta Correia
Chegamos ao verão como quem pede abrigo. Este ano um pouco pior do que é costume. Já não é só o cansaço físico, mas a falta dos outros, a luta com a solidão, a saúde ameaçada ou adiada em nós ou em que nos é próximo, as incertezas do impacto no emprego.
No plano político, o verão é invariavelmente anunciado por tiradas tontas, políticos fora de pé, polémicas disparatadas. A silly season é a evidência de que o cansaço chega a todos. E não há nada mais tonto em política, ainda para mais num ano com a gravidade como o que vivemos, do que procurar polémicas dentro de um qualquer grupo e fora do sentir popular, como se qualquer projeto tivesse sustentação própria e fosse matéria de sobrevivência pessoal ou grupal.
O debate do Estado da Nação foi mais uma demonstração disso mesmo. O que se pretende ali é procurar acompanhar aquilo que cada um acaba por fazer de modo mais um menos espontâneo: olhar para trás, fazer o saldo do ano que passou, perspetivar o ano que começará depois de um período de pausa.
O que vimos, porém, foi outra coisa: a incapacidade total de aproximar o debate político do que o comum dos mortais vive e sente.
A pandemia covid-19 acaba por ser o tronco único de todos os temas que nos marcaram. E cruzar essa realidade com a política é um exercício que exige rigor e cuidado.
Em primeiro lugar, porque uma tragédia desta dimensão cruza-nos a todos com um inimigo comum. A doença, a devastação, a ameaça estão lá fora e todos nós queremos estar do mesmo lado para vencer o enorme desafio que temos pela frente.
Se quisermos partir esta luta ao meio, ela cederá sempre do lado mais fraco. E invariavelmente situações de guerra ou de grande catástrofe tendem a reforçar os poderes.
Por outro lado, se não tivermos a capacidade de perceber o que correu mal – e muito correu mesmo muito mal colocando Portugal por duas vezes como o pior do mundo no combate à pandemia – estaremos simplesmente a anular a política.
Estarmos do mesmo lado no combate a este ‘mal’ não pode significar, pois, que perdemos o sentido crítico e a exigência que se impõe.
Um debate do Estado da Nação deveria, pois, ter esse condão de, por um lado, nos unir num período extraordinariamente difícil, mas também na mobilização crítica para o futuro que requer sempre a capacidade de avaliar o passado.
Infelizmente, o debate desta semana mais não foi do que um exercício da política no pior sentido, em que um primeiro-ministro não tem autoridade nem qualquer ascendente para falar em nome de todos. Em que tudo o que quer é atacar os adversários, porque isso é o garante da união dos que o suportam.
Infelizmente, nesta luta, o país fica esquecido, o divórcio entre o discurso político e a realidade sentida pelos portugueses é acentuada, e em que a silly season corre o risco de se elevar a Estado na Nação.
Estamos, pois, a precisar de descanso, com a esperança de que depois do tempo estival haja algum banho de realismo que nos acorde e mobilize.
É neste contexto que as eleições autárquicas ganham particular importância (e não admira que muitos se empenhem em desvalorizá-la).
E o comportamento do eleitorado em Lisboa – por ser capital, porque é domínio socialista há 14 anos, e porque o poder dá tantos sinais de degradação –, merece particular atenção.
Na semana em que uma segunda sondagem é divulgada podemos tirar as seguintes conclusões:
Em apenas dois meses, Fernando Medina perdeu mais de 10% do seu apoio: passou de 47% para 42. Por seu lado, Carlos Moedas cresceu cerca de 20%: passou de 26% para 31%. Ou seja, há uma inversão espetacular de tendências num reduzido espaço de tempo.
Para quem vir as sondagens como um fenómeno estático poderá achar que a distância é muita. No entanto, a sua dinâmica sugere o contrário. Se Carlos Moedas conseguir convencer apenas 4 a 5% dos eleitores em Medina, poderá ganhar as próximas eleições. O resto virá da dinâmica da campanha, uma crescente e outra gasta.
E se isso acontecer, será um importante sinal de revigoramento de que o país precisa. Porque a democracia nunca é adormecimento e vive da confiança de que mudar é mais uma oportunidade do que uma ameaça. Este é o seu maior compromisso com o real, para lá de todas as lógicas partidárias.