Em maio passado, o ex-jogador de beisebol Alex Rodriguez (conhecido mundialmente por ter namorado com a cantora e atriz Jennifer Lopez) surpreendeu o público ao anunciar o seu primeiro produto de maquilhagem – The Blur Stick – um corretor de “imperfeições” lançado em conjunto com a marca de cosméticos masculinos Hims. Por ser atleta, por já ter 45 anos de idade e pelos “estereótipos de masculinidade que o cercam”, este não seria “o modelo esperado” de um homem que dá a cara pela causa. Mas a verdade é que não é a primeira vez nos últimos anos que um homem foge “à norma”: a cantora Rihanna, que apresentou a sua marca de maquilhagem, a Fenty Beauty, em 2017, foi uma das primeiras a incluir homens no seu projeto, “puxando” estrelas como o ator britânico Daniel Kaluuya, que usou uma das suas bases para os Óscares 2018; e os rappers A $ AP Rocky e Lil Nas X, que serviram como embaixadores da marca.
Já este ano, também o rapper Lil Yachty lançou uma série de vernizes, segundo o seu site, para “todos os géneros”. “Se achas que pintar as unhas é uma forma de mostrar o teu lado criativo, se isso se encaixa com a tua estética, não deves ser julgado por isso. A opinião dos outros não deve determinar o que tu desejas fazer. Esta linha reflete isso mesmo”.
UMA CRESCENTE TENDÊNCIA NO MERCADO DE COSMÉTICA Apesar de esta “desconstrução” resultar, em grande parte, das partilhas nas redes sociais e das publicações de artistas mundialmente famosos que desejam desmistificar a questão, são cada vez mais as marcas que “abraçam” este “fenómeno”. Jean Paul Gaultier começou a abrir “caminho” em 2008 com Monsieur, uma linha de produtos de cosmética para homem, apesar da consciência de que estaria a apostar num mercado que “ainda não estava preparado”.
Mas a mudança de paradigma tem sido acolhida pelas demais empresas do setor, ávidas de um novo mercado. As marcas têm-se mostrado cada vez mais atentas e interessadas, lançando linhas de tratamento e maquilhagem para homens. A Chanel, por exemplo, anunciou em agosto de 2018 a criação de uma linha de maquilhagem para homens composta por uma base, um bálsamo de lábios e um lápis de sobrancelhas. O mesmo aconteceu com outras marcas como a Yves Saint Laurent, Tom Ford, Menaji e Myego que, em 2019, criaram produtos específicos para o sexo masculino, como lápis de olhos, corretores de olheiras e cremes autobronzeadores, seguindo a estratégia comercial que tem vindo a globalizar-se “progressivamente”.
Há dois ou três anos, poucos eram os homens a assumir o uso deste tipo de produtos: segundo o estudo The State of Men, de 2013, embora 54% dos homens já usasse hidratantes ou cremes de olhos, apenas 9% usava base, 11% bronzeador e 10% corretor. Mas os tempos mudaram e os estudos mais recentes apontam para uma evolução do setor. Um estudo realizado pela consultoria Morning Consult, em 2019, revelou que um terço dos americanos com menos de 30 anos pensaria em maquilhar-se, número que cai para 23% quando o parâmetro de idade é eliminado. Também segundo a consultoria Grand View Research, em 2019, o mercado de cosméticos masculinos atingiu um valor mundial de 47.500 milhões de dólares (cerca de 39.000 milhões de euros). Já em Portugal, a percentagem de homens que utilizam cuidados de rosto subiu para os 84%. Um estudo realizado pela L’Oréal Portugal, em 2019, apurou também que 75% dos homens portugueses já usava produtos de beleza e que 89% tinham mesmo um papel ativo na escolha e na compra dos produtos que utilizam. Porém, 64% ainda utilizam gamas unissexo.
A QUESTÃO DO “UNISSEXO” “Porque a maior parte do público masculino ainda se encontra relutante na decisão de comprar produtos considerados femininos”, explicou Romain Carrega, CEO da marca Shiseido, em declarações ao jornal espanhol El País. A empresa para a qual trabalha inclui três cosméticos masculinos (um hidratante unificador de tons, um lápis de correção e um lápis de sobrancelha) no seu novo lançamento, tendo optado por excluir da sua “apresentação” a palavra “maquilhagem”. “Por um lado, queremos fazer entender aos nossos consumidores que isto faz parte do seu cuidado e é mais uma etapa que se pode incluir na sua rotina diária. Por outro lado, se optarmos por classificá-las como ‘maquilhagem unissexo’, os pontos de venda tenderão a colocá-las nas prateleiras destinadas às mulheres, deixando os homens relutantes”, esclareceu.
Embora os agentes do setor tendam a aproximar-se da “mensagem sem género”, a realidade não pode ser “ignorada”, sendo as embalagens adequadas a cada preferência e necessidade. Olympia Pallares, diretora de marketing da marca Givenchy em Espanha, que recentemente lançou a gama Mister de Givenchy, explicou, ao mesmo jornal, que a marca foi pensada para “atrair os que estavam mais para trás”, possibilitando um alargamento do público. Algo semelhante aconteceu em Nyx, que embora não tenha mudado as apresentações dos seus produtos, decidiu alterar a sua mensagem: “Começámos por fazer campanhas inovadoras com a cara de alguns homens […]. Agora estamos a transferir isso para o dia-a-dia, queremos que os homens entendam que podem utilizar os produtos todos os dias”, explicou Silvia Pellissa, chefe da marca.
UMA VIAGEM AO PASSADO O facto é que, com o passar dos anos, vai-se desconstruindo a ideia de que os corretores de olheiras, as bases, batons e máscaras de pestana, são exclusivos para o sexo feminino. Mas se estabelecermos uma linha temporal, talvez sejamos surpreendidos por realidades que nos escapam muitas vezes à memória. No antigo Egipto, por exemplo, usar um eyeliner (que terá aparecido por volta 4000 a.C) era algo só ao alcance de um homem de grande estatuto; na Roma Antiga, os homens também utilizavam pigmentos vermelhos na zona das maçãs do rosto (hoje considerado o blush) e muitos pintavam as unhas com uma mistura de gordura e sangue de porco (característica que os tornava atraentes). Ou seja, durante milhares de anos, a maquilhagem foi usada por ambos os sexos, sendo considerada “um ritual de beleza comum e sem qualquer preconceito”.
No século XVI, na Inglaterra de Isabel I, a maquilhagem já era muito popular, vista como símbolo de alto estatuto. Os senhores faziam tratamentos de beleza que incluíam máscaras de ovos e mel com o intuito de suavizar as rugas e “exageravam” nos pós brancos feitos, na altura, com o chumbo nocivo (hoje considerado tóxico). Um século depois Luís XIII de França, mais conhecido como O Justo, pôs as perucas na moda entre os homens franceses da época depois de ter ficado careca aos 23 anos.
Os aristocratas continuaram a usar os seus pós e perucas, até que, em meados do século XIX, a Igreja veio a intervir considerando que a utilização desse tipo de cosméticos seria um recurso apenas comum “no meio das prostitutas”. Chegando ao século XX (loucos anos 20 e 30), com o cinema a preto e branco, era necessário uma maquilhagem acentuada para aparecer o resultado desejado na tela. A partir daí, cada década foi-se libertando e há algumas estrelas consideradas as pioneiras do fenómeno, como é o caso de David Bowie, Freddie Mercury, Elton John, Prince, Boy George e Jared Leto, que utilizaram as maquilhagens extravagantes como imagem de marca. Além dos cantores e atores que, já neste século, utilizam produtos de beleza, o próprio Emmanuel Macron, Presidente francês, gastou 26 mil euros em maquilhagem nos seus primeiros 100 dias de governo.
Esta realidade de negócio está cada vez mais presente nas redes sociais, sobretudo no Instagram, com uma série de beauty boys (nome dado aos jovens que dão a cara pelas marcas e fazem tutoriais de como um homem se deve maquilhar). Já em 2016, a marca CoverGirl anunciou James Charles, com 7,8 milhões de seguidores no Instagram, como o seu primeiro embaixador masculino, numa campanha para divulgar uma máscara de pestanas.
Em Portugal, o caminho “ainda é longo”, mas são também, cada vez mais, os homens que se preocupam com a sua estética e se libertam de estigmas e preconceitos, utilizando todo o tipo de produtos de beleza.