A Norte, o rio Minho marca a fronteira entre Portugal e Espanha, entre Galiza do Norte e Galiza do Sul, mas, para os povos fronteiriços, o rio não é mais que isso mesmo, um curso de água. As fronteiras são meramente burocráticas, e as trocas entre os dois lados são constantes. Na costa, do lado português, a praia de Moledo dá para molhar os pés em Portugal enquanto se olha para Espanha, e desfruta-se do sol numa das praias mais icónicas do país.
Moledo é o sítio onde a mente descansa, a olhar para a imensidão do oceano Atlântico, e para a foz do Minho, a 20 minutos de Viana do Castelo. Que o diga Durão Barroso, Manuel Sobrinho Simões, Jorge Miranda, Vitorino d’Almeida, Mário Cesariny e Álvaro Siza Vieira, seis figuras populares desta praia nos meses de verão.
A mesma praia que ficou para sempre imortalizada – pelo menos em Portugal – através da versão portuguesa da série juvenil Verão Azul, chamada Verão M, que chegou à RTP em 2018. Leonor e Rodrigo são duas crianças que, tal como tantos milhares de outras, fazem um grupo de amigos enquanto estão de férias na praia minhota, e se envolvem em várias aventuras.
É a transformação em ficção da história real de vários jovens e adultos que recordam as suas férias de Verão, na infância, nesta praia. Praia esta, aliás, que, se em 2018 foi imortalizada por uma série televisiva, já no século XIX era alvo de guias turísticos e livros. O próprio Raul Brandão escreveu sobre Moledo no seu livro Os Pescadores.
«São nove horas. O azul entontece. Perco a linha da paisagem, o verde-escuro do pinheiral que vai até ao mar, e tudo isto se me afigura uma larga concha azul, com uma borda de areal onde alguns velhos moinhos em fila batem as asas para meu encanto. O forte da Senhora da Ínsua fica num extremo da curva, onde a amplidão do azul é infinita, a penedia a desfazer-se em espuma…».
Em Moledo, o areal – que foi vítima de algumas dragagens e de uma malvada erosão ao longo dos anos – funde-se com o céu azul, e a água, apesar de caracteristicamente fria, forma um panorama único, palco de histórias de Verão de várias gerações, que, se nos guiarmos pelas palavras de Raul Brandão, se mantém praticamente intacto.
Esta é daquelas praias que acaba por ser mesmo um lugar propício às míticas noites de Verão, aos romances que não passam de agosto, e a tudo aquilo que esta época representa: relaxamento, diversão e uma abstração geral dos problemas da vida.
Ainda por cima, os contornos da praia do concelho de Caminha é um dos mais peculiares do país, juntando areal e oceano, rio e mato numa curta distância. É que a norte de Moledo está o extenso pinhal do Camarido, onde as sombras são uma dádiva nos dias quentes de Verão, e onde longos passeios são a grande recomendação.
Também o Forte da Ínsua – que primeiro foi um convento, depois transformado em fortificação – foi construído no século XVII, está situado numa ilha frente à praia de Moledo, e é um dos pontos fulcrais deste destino de férias, bem perto da foz do rio Minho.
O windsurf ou o kitesurf são atividades muito recomendadas nesta praia, devido ao forte vento que se faz sentir. Também as águas desta praia, apesar de conotadas com constantes baixas temperaturas, são ricas em iodo, o que lhes dá características terapêuticas.
E, aliás, a própria frieza destas águas é uma das coisas mais características da praia de Moledo, o detalhe que nenhum banhista deste local a Norte do país deixa de fora, a seguir às histórias do Sr. Jorge, antigo dono do Pica Pau, um nome inesquecível para os banhistas de Moledo. A idade já vai extensa, mas as histórias estão ainda frescas na memória do Sr. Jorge, figura incontornável desta praia a Norte.
Moledo é a praia de eleição de banhistas que vêm de cidades como o Porto, Braga e Guimarães, donos de casas de férias naquela que em tempos foi uma praia de referência para os mais abastados, mas uma parte dos visitantes é também formada pelos galegos que cruzam a ponte sobre o Minho.
Segundo se ouve nas vozes dos diferentes moledenses ouvidos pelo Nascer do SOL, como Manuel Emídio, são esses mesmos galegos que, em parte, ajudam a manter viva a aldeia durante o Inverno, na época em que os tais banhistas nacionais – tais como os turistas – estão de regresso às suas casas principais. Emídio é filho de Moledo, Caminha e do Camarido. Dono do espaço Paredão 476, mesmo à frente da praia, e só lhe faltava conhecer as marés do Atlântico.
A pandemia, no entanto, teve um efeito positivo, segundo contam ao Nascer do SOL alguns locais: as restrições à mobilidade, apesar de ter afastado os turistas internacionais, levou mais locais a escolher Moledo para passar o seu tempo livre, impedidos de sair do país, o que ajudou ao movimento na aldeia.
No Paredão 476, cruzam-se o espanhol e o português como num único povo, não deixando de fora os timbres do francês de quem procurou no estrangeiro uma vida melhor, e regressa a Moledo para aproveitar os meses do verão. A vida em Moledo, no entanto, vive muito também das memórias de outros tempos, sem telemóveis e redes sociais, quando era mesmo preciso sair às ruas para ver amigos e conhecidos. «Você vinha aqui ao paredão da praia às 4 da manhã e não conseguia passar com o carro por causa da quantidade de pessoas», ouve-se dizer no café à beira-mar.
Moledo é terra de saudades, longe de grandes cidades e, consequentemente, obrigando os seus habitantes a sair dela quando procuram novas oportunidades na vida. Ainda assim, há quem volte a esta verdadeira praia Atlântica que, apesar de ter sofrido fortemente com a erosão, que comeu uma grande parte do areal nos últimos anos, continua a encantar os banhistas que aqui passam as suas férias há décadas.
Este é também um local que, apesar de já não ser tanto assim, já contou com a presença de várias figuras populares do país, que procuravam fugir à azáfama de quem vive da política ou das artes. Daí uma seleção de casas e moradias com uma arquitetura privilegiada, que se estendem por toda a aldeia, e que formam também um belo passeio.
Viagem longa mas bonita
Há quem diga que a importância das viagens não está no destino, mas sim no trajeto em si. Pois a viagem até Moledo é a prova disso. Pode ser feita, principalmente, de duas formas: ou de carro, demorando pouco mais de uma hora de viagem desde o Porto, bem servida pela A28, ou, se há tempo de sobra, de comboio (ou a pé, mas essa já é outra história). A partir da estação portuense de Campanhã, o comboio Inter-regional a caminho de Valença pára na estação de Moledo do Minho, demorando entre uma hora e meia e quase duas horas.
São, no entanto, duas horas de interessante viagem, que, após cruzar sobre o rio Lima, percorre a linha sempre encostada ao mar, passando por lugares como Viana do Castelo – onde a paragem para comer uma bola de Berlim no Manuel Natário e rezar no Santuário de Santa Luzia (nem que seja só para ter a fantástica vista sobre o oceano Atlântico) é obrigatória – e em Vila Praia de Âncora, um outro local de eleição para passar uma tarde de praia, a apenas 5 quilómetros a sul de Moledo.
Uma boa sugestão de roteiro parte de Caminha, a vila ainda mais a norte de Moledo que dá o nome ao concelho. Fronteiriça com a Galiza, é uma pequena – mas pitoresca – localidade, onde vale a pena ver a Torre do Relógio, e onde se pode apanhar o ferry até A Guarda, a localidade do lado galego do Minho.
De seguida, poderá descer sempre colado à costa, passando pelas praias do Camarido, Moledo, Vila Praia de Âncora, Ínsua, Afife e Carreço, onde o terreno já é mais acentuado, mas as vistas compensam e dão o pano de fundo para boas fotografias. A viagem pela Estrada Nacional 13 abaixo é única, sempre com vista para o agitado Atlântico, que leva até Viana do Castelo, onde, além das recomendações gastronómicas e religiosas já dadas, vale ainda a pena visitar o navio-museu Gil Eanes, que serviu como barco-hospital, e é agora um museu. Também a Ponte Eiffel, desenhada pelo próprio Gustave Eiffel, é um dos pontos de visita desta cidade a Norte do país, não muito longe do centro.
[Artigo atualizado às 21:58 de 1/8/2021]: Moledo do Minho é uma aldeia, não uma vila.