Atentado à paisagem natural na Praia Fluvial da Bairrada

O nosso património natural vai ser novamente vítima de um atentado que destruirá a belíssima paisagem que durante décadas foi sendo desfrutada pelos habitantes deste pequeno núcleo urbano e por inúmeros visitantes que apreciavam estes, cada vez mais raros, troços de paisagem natural, que apenas no Verão eram perturbados pela invasão dos barcos e motos…

por Francisco M. Caldeira Cabral
Arquiteto paisagista

A Câmara de Ferreira do Zêzere apresentou em Assembleia Municipal no dia 25 de junho de 2021, um projeto de execução para um bar-restaurante com cerca de 120m2 e uma piscina flutuante com 300m2, na Bairrada, localidade junto à albufeira da Barragem de Castelo do Bode.

O nosso património natural vai ser novamente vítima de um atentado que destruirá a belíssima paisagem que durante décadas foi sendo desfrutada pelos habitantes deste pequeno núcleo urbano e por inúmeros visitantes que apreciavam estes, cada vez mais raros, troços de paisagem natural, que apenas no Verão eram perturbados pela invasão dos barcos e motos de água.

Soubemos também que um Projeto com contornos idênticos irá atingir a beleza e tranquilidade de Dornes, aldeia com uma Torre Templária pentagonal, única no País, e uma Igreja – Nossa Senhora do Pranto – do séc XV. Também para aqui se propõe uma piscina flutuante.

Depois da moda das rotundas, que também atingiu este concelho, surge agora a moda das piscinas flutuantes nas praias fluviais, quais ‘alforrecas’ invasoras da água doce.

O conceito de piscinas flutuantes, nestes casos, parece-nos absurdo, pois as praias fluviais situam-se em zonas ribeirinhas de encostas suaves, sem qualquer perigo para os banhistas. Acresce que no núcleo urbano da Bairrada, as acessibilidades de automóvel são muito difíceis e deveriam ser limitadas à capacidade de uso destes troços de paisagem, se se quiser manter o seu equilíbrio ecológico, a tranquilidade dos seus moradores e as características do seu aglomerado urbano.

O Plano de Ordenamento da Albufeira de Castelo de Bode (POACB) incide sobre o plano de água e respetiva zona de proteção, com uma largura de 500m; assim sendo, a construção ou reconstrução de qualquer equipamento público ou edifício para habitação, obedece a regras muito precisas.

O que também é curioso é que sendo estas águas tão calmas e transparentes, a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) considera-as impróprias para o banho, conforme painéis afixados junto às margens, o que na prática não se verifica pois sempre foi uma zona utilizada para banhos, daí ser considerada naturalmente como uma praia fluvial.

Perante estas restrições, causa-nos estranheza o projeto que a autarquia pretende desenvolver, claramente ao arrepio do bom senso e de todas as normas ambientais relativas às albufeiras.

O Ministério do Ambiente, através da APA, e a Câmara Municipal, não deveriam ser coniventes com a destruição da paisagem natural, não ouvindo os moradores, e não tendo em atenção os problemas ambientais que estas decisões necessariamente geram, e que vão ao arrepio do Plano de Ordenamento da Albufeira.

Construir estes equipamentos, uma piscina e um enorme bar na zona de proteção, para atrair mais utentes, mais carros, mais lixo, mais poluição, leva-nos a questionar sobre o verdadeiro interesse desta intervenção – destruir o nosso património natural que é um bem público em prol de negócios privados!

As diferentes albufeiras deste país estão sob a ameaça de se tornarem novos polos turísticos, à semelhança dos maus exemplos do Algarve, ou da Caparica, onde a beleza natural foi destruída e a sobreutilização gerou problemas muito graves de sustentabilidade ambiental e ecológica.

Nos casos da Bairrada e da Bairradinha, a situação é especialmente grave para os moradores dada a configuração urbana destes núcleos urbanos de desenvolvimento linear, assente numa única via, dificultando o acesso automóvel. Acresce ainda o perigo dos incêndios e a impossibilidade dos carros dos bombeiros acederem à albufeira, o que já hoje se verifica aos fins de semana, devido à acumulação de carros e à ausência de fiscalização e ordenamento do estacionamento.

Salvemos as praias fluviais da Bairrada e de Dornes, antes que sejam irremediavelmente destruídas pela incúria e falta de sensibilidade ecológica e ambiental que estes projetos acarretam.

 

Bairrada, 27 de lulho de 2021