por Sofia Aureliano
1. Vacinada e feliz. A roçar os “entas” chegou finalmente a minha vez de ter o privilégio de receber as duas doses da vacina contra a Covid-19. Posso dizer-vos que nunca levar uma “pica” me deixou tão feliz. Mais do que pelas certezas que a ciência me traz ou as garantias sobre algo que ainda é, para todos, tão incerto, a felicidade está na esperança que aquele momento representa.
Foram segundos, entre os sorrisos de uma enfermeira simpática e uma troca de palavras tranquilizadoras e simultaneamente divertidas, para me distrair de uma tensão que não existia, mas que, não sabendo ela dessa condição prévia, profissionalmente acautelou que não prejudicasse o ato. Durante estes segundos, enquanto lhe retribuía mecanicamente o sorriso, corria-me no pensamento, à velocidade da luz, uma espécie de compacto dos últimos 16 meses, em fast forward, entre medos, desespero, reclusão, distância, angústia e ausência de luz ao fundo do túnel. A dor que senti foi no coração e não no braço. Mas, finalmente, a luz estava ali. A 30 metros, na zona do recobro. E é sustentada em algo tão simples como isto: a materialização do desejo imenso que tenho de que tudo regresse ao normal. E a convicção de que a vacinação é um passo decisivo para concretizar esse desejo.
2. Cartazes e tesourinhos. Em tempo de campanhas autárquicas, é habitual vermos a circular pelas redes sociais memes de cartazes menos felizes, trocadilhos falhados, rostos que parecem recortados e colados em cartolinas por miúdos do 1º ciclo, brincadeiras com nomes de freguesias ou municípios que talvez façam sentido para os locais mas que, à distância, só servem para arrancar gargalhadas. A verdade é que há nomes com os quais seria muito difícil de trabalhar, por mais genial que se seja. Mas não é de comunicação pura e dura que aqui quero falar. É de recursos. Ou melhor, da ausência deles.
Talvez os anos de ofício me tenham deixado mais tolerante, e a capacidade de pensar no que serão os bastidores de cada campanha (em alguns casos, tenho dúvidas que até se possam chamar assim) me tenham amolecido. Mas a verdade é que perco a vontade de rir quando imagino o esforço pessoal e a boa vontade por detrás de cartazes com orçamento zero que, mesmo mal amanhados, foram feitos com a ousadia de quem quer representar a sua terra e está pronto a pagar do seu bolso e a dar a cara por isso. Mesmo sabendo que há enorme probabilidade de ser alvo de troça, porque ninguém é desprovido de sentido crítico e as falhas que nós vemos, os outros também veem. Da gargalhada salto para a vénia. E louvo todos os candidatos autárquicos que, sem meios, se lançam numa corrida que muitas vezes sabem perdida, de cabeça erguida e peito feito. Nem todos teriam essa coragem.
Menos tolerante sou com os erros crassos que se cometem em cartazes de grandes partidos, com elevados orçamentos. Mas, aí, a rubrica terá de ser mesmo sobre comunicação.
3. Pode haver silly season? Habitualmente em agosto estaríamos em plena silly season. Aquele período em que as pessoas estão focadas em temas menos sérios, a agenda política ameniza porque os protagonistas vão a banhos, e as imagens de fatos formais e discursos mais pesados no parlamento deixam de ocupar mancha e dão lugar a “apanhados” no areal e especulações sobre relacionamentos de figuras públicas. Mesmo nos meios de comunicação ditos mais sérios.
Mas este é um ano atípico. Um ano de pandemia, condicionado por um vírus que pode ser fatal e tem alcance global, que nos limita os movimentos e restringe as interações há mais de 16 meses. E o vírus não vai de férias. Pelo contrário, provavelmente aproveita as nossas férias para se propagar, espoletar novas variantes, criando renovados desafios à ciência. Esta também não descansa. Aliás, está em modo de trabalho contínuo há mais de ano e meio, numa corrida torticeira e ingrata.
Se assim é, faz sentido que haja silly season? Faz sentido que todos possamos dar-nos ao luxo de folgar o pensamento, que os políticos possam fazer “pausa” na pandemia, e os meios de comunicação possam mudar, como habitualmente, os alinhamentos, para conteúdos mais leves, que combinem melhor com caipirinhas e margaritas?
Cada um de nós pode escolher não ler, não ver, virar a cara. Relaxar.
Mas há quem tenha outras responsabilidades. A ação e a informação não se podem evadir. Têm de estar lá, como estão o vírus, a pandemia e a ciência. Caso contrário, não haverá “season” mais “silly” do que esta.
4. Orgulho coletivo. Não vibramos com as outras modalidades desportivas como vibramos com o futebol. Mas todos gostamos de contar as medalhas que os nossos atletas trazem para casa e de ouvir “A Portuguesa” na capital do Leste. Este ano, o entusiamo parece redobrado e temos boas razões para isso.
Portugal estreou-se nos Jogos Olímpicos em 1912 e só subiu ao pódio em 1924, no hipismo. Até Tóquio, tínhamos alcançado um total de 24 medalhas, com nomes que todos temos na memória como Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro, Telma Monteiro ou Nélson Évora.
Este ano, (e sem confirmação à hora que entrego esta crónica, mas com muita fé) suspeito que bateremos o recorde de medalhados, nas modalidades de Judo, Triplo Salto Feminino, Triplo Salto Masculino e Canoagem. Faça-se a festa!
Mas nem só de metal devemos alimentar o nosso orgulho.
Ser olímpico é adjetivo e são 92 os atletas portugueses que o são e estão em Tóquio a representar Portugal, em 17 modalidades distintas.
Que nos lembremos deles e das suas modalidades também no dia-a-dia, quando precisarem de apoios para levar ao peito, orgulhosamente, o nome de Portugal.
No imediato, precisarão certamente de medidas políticas para mitigar os efeitos da pandemia que certamente afetou o sistema desportivo e, provavelmente, pôs em causa a sustentabilidade do setor.
Mesmo assim, depois de um ano particularmente difícil, os nossos atletas disseram presente e estão todos de parabéns por lá chegarem. Já foram batidas várias marcas nacionais individuais e coletivas.
Há uma que sublinho porque considero socialmente simbólica: com 36 atletas portuguesas na Equipa Portugal temos a maior participação feminina de sempre (39,1%) nos Jogos Olímpicos.
A meta do Comité Olímpico Internacional para Tóquio era chegar aos 48%. Ainda não estamos lá, mas esta é uma maratona, não é uma corrida de 100 metros.
Lá chegaremos. Mais depressa ou mais devagar, o importante é que caminhemos em frente.