Até seis meses de espera para renovar o cartão de cidadão

As filas de espera para a renovação do cartão do cidadão têm levado portugueses a ver a sua vida em espera. Muitos pagam para ter o documento, outros saem da sua área para o fazer.

São dezenas aqueles que fazem fila junto a tribunais, serviços de notariado e lojas do cidadão para poderem renovar o Cartão do Cidadão. A marcação faz-se online ou via telefónica, mas devido à falta de resposta, as pessoas aglomeram-se para terem a hipótese de ser atendidas.

Devido à pandemia, o Governo estendeu os prazos para renovar o documento, ou seja, todos os documentos que estejam fora de validade podem ser aceites até dezembro deste ano. No entanto, à medida que a data se aproxima, os cidadãos que tentam marcar a renovação das duas uma: ou ficam sem resposta, ou esperam meses pela sua data.

Inês Mota é um desses casos. O cartão cidadão expirou em março deste ano e, assim que isso aconteceu, agendou a renovação. O dia ainda não chegou, estando a revalidação agendada para a semana que vem.

Entretanto, em maio, a jovem tirou a carta de condução e acedeu ao site do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) para validar os dados. Não poderia ter ficado mais espantada com o que viu: «A fotografia que apareceu no site pertencia ao cartão de cidadão que eu tinha antes deste que vou agora renovar, ou seja, a minha fotografia da carta de condução era de quando eu tinha 11 anos».

Nesse dia, Inês contactou o IMT a explicar a situação e fez uma marcação para a Loja de Cidadão de Marvila de modo a tirar uma nova fotografia. «Estava resolvido», foi o que Inês pensou. Uma semana depois a jovem recebeu a carta de condução em casa. «Depois de ter perdido uma tarde de trabalho para ir tirar a fotografia, continuo com a carta de condução com uma fotografia minha de quando tinha 11 anos», explica.

Matilde Pronto Flores mora na capital e devido aos meses de espera a que estaria sujeita para renovar o cartão de cidadão, optou por fazê-lo fora da Área Metropolitana de Lisboa (AML).

«Quando tentei marcar, em julho, só havia datas disponíveis para outubro», explica a jovem ao Nascer do SOL, acrescentando que «em Tomar», conseguiu efetuar a marcação «para dia 30 de agosto».

Também João (nome fictício) já enfrentou problemas por não conseguir renovar o Cartão do Cidadão. Com um documento expirado antes da pandemia – ainda que sem se ter apercebido – João iniciou o processo de renovação no princípio de 2020. No entanto, a data foi constantemente adiada devido ao confinamento.

Aquando desta situação, João estava também a tentar vender uma casa. Apesar de ter o cartão caducado, tinha um certificado que comprovava que a data para renovar o documento estava marcada. Este certificado possibilitou que fosse feito o contrato de compra e venda, tendo os compradores dado um sinal de 10% do valor total.

Para a escritura, João ficou a saber que aquele documento não iria em nada ser útil e que, se não apresentasse o cartão de cidadão válido, teria de pagar aos compradores o dobro do valor inicial que já lhe tinha sido dado.

Posto isto, a luta por voltar a remarcar a data da renovação voltou e a única maneira que encontrou para resolver o seu problema foi pagar 53 euros para fazer o pedido de urgência.

A espera encontra-se especialmente demorada na AML e o Sindicato dos Trabalhadores dos Serviços de Notariado justifica a situação com a diminuição do quadro de pessoal em menos 35% nos últimos 20 anos.

O facto de os serviços terem estado parados durante a pandemia, também contribui para que, agora, o fluxo de pessoas que pretendem renovar os seus documentos seja maior, uma vez que estiveram mais de um ano à espera.

No entanto, o Ministério da Justiça espera que a situação volte ao normal num futuro próximo, especialmente após se tornar possível que pessoas com idade superior a 25 anos renovem o documento automaticamente online.

 

Online salva vidas

Para resolver os problemas que têm sido reportados, o Governo tem tentado oferecer outras soluções, sendo as mais recentes as videochamadas de apoio e a aplicação para smartphone do Estado português.

Desde junho que, no âmbito da medida «ePortugal mais acessível» que o Governo permite que os cidadãos acedem a um conjunto de serviços através de uma videochamada, nomeadamente pedir a Chave Móvel Digital, alterar a morada no Cartão do Cidadão e renová-lo para maiores de 25 anos.

No entanto, em comunicado, o Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública, referiu esta semana que o número de serviços foi alargado sendo agora possível confirmar a alteração de morada do Cartão de Cidadão, pedir o certificado de registo criminal de pessoas singulares, associar atributos empresariais com o Sistema de Certificação de Atributos Profissionais (SCAP), marcar uma consulta no centro de saúde e alterar os dados associados à Chave Móvel Digital.

O Governo criou ainda a aplicação do Estado Português onde é possível aceder ao Cartão de Cidadão, à Carta de Condução e ao Cartão da ADSE sem que os tenha fisicamente consigo. Pela app é também possível renovar o Cartão do Cidadão.

No entanto, o que foi planeado para ser inclusivo e acessível a todos tem tido alguns problemas, uma vez que há entidades que não reconhecem os documentos quando apresentados em formato digital.

 

Atrasos serão recuperados

Recorde-se que em junho deste ano, durante uma discussão na Assembleia da República relativamente às mudanças que viriam a ser feitas na entrega do Cartão do Cidadão, a ministra da Modernização e da Administração Pública foi confrontada por deputados do PCP, do BE e do PSD relativamente aos atrasos provocados pela pandemia na entrega dos documentos.

José Manuel Pureza, do BE, relembrou para os cerca de 200 mil cartões que ficaram por entregar e para a falta de recursos humanos no Instituto de Registos e Notariado (IRN).

O comunista António Filipe, alertou para a mesma escassez de recursos e para as dificuldades na renovação.

Márcia Passos, do PSD, afirmou, na altura, que as lojas do cidadão permaneciam encerradas e que «não se consegue fazer um agendamento por telefone porque ninguém atende».

Alexandra Leitão relembrou, no entanto, que em junho, as lojas do cidadão já não estavam encerradas, tendo encerrado durante certos períodos de tempo durante a pandemia. Desde que os estabelecimentos abriram – a 19 de abril – e até 31 de maio foram atendidas mais de 300 mil pessoas presencialmente.

A ministra adiantou ainda que, entre setembro de 2020 e maio de 2021, foram entregues 2,4 milhões de cartões de cidadão presencialmente, quase 500 mil pelos correios e cerca de 20 mil nos espaços dos cidadãos, existindo por isso «uma recuperação de uma situação difícil que é ter de ir correr atrás de uma situação que foi provocada pelo encerramento devido ao confinamento».