Os textos das leituras da Palavra de Deus do último domingo levantaram, para alguns leitores e ouvintes, dúvidas que lhes penetrou a alma. É compreensível, se pensarmos apenas na frase que causa frenesim na cultura contemporânea: «Mulheres, submetei-vos aos vossos maridos» (Ef 5, 22). Ler apenas este versículo é uma limitação enorme para a compreensão do pensamento de São Paulo.
No versículo imediatamente anterior, São Paulo tinha explicado qual era o princípio das relações que devem estar na base entre as mulheres e os homens: «Submetei-vos uns aos outros no temor de Deus» (Ef 5, 21). Por conseguinte, a submissão não é apenas da mulher em relação ao homem, mas é o princípio ético de uns em relação aos outros, ou seja, das mulheres em relação aos homens e dos homens em relação às mulheres.
Vale a pena aprofundar este tema, por exemplo, com a leitura do filósofo italiano, Giorgio Agamben, no seu comentário das doze primeiras palavras de São Paulo aos Romanos e que, segundo ele, como que dão uma chave hermenêutica e de compreensão do cristianismo de São Paulo.
O livro que foi publicado – Il Tempo Che Resta (o tempo que se contrai) – foi fruto de um conjunto de aulas que ao longo de vários dias numa universidade italiana. Esse mesmo pensamento foi colocado numa conferência dirigida aos cristãos de Paris, onde se faz um breve resumo da leitura que Agamben faz de São Paulo.
Posso, de uma forma breve e sucinta, resumir um pouco o seu pensamento. Para Giorgio Agamben, São Paulo considera que, ao entrar no mundo e na história, o messias, Jesus, contraiu o tempo, abreviando-o, como que suspendendo o próprio tempo e, desta forma, os que obedecem a Cristo, o messias, que é Jesus, entram numa era messiânica que renova todas as relações entre os homens e mulheres, mas também com toda a criação. A expressão é retirada da Primeira Carta aos Coríntios (1Cor 7, 29), onde São Paulo diz que «o tempo se abrevia sobremaneira», porque «o modo de ser deste mundo transformou-se» (1Cor 7, 31).
A relação entre homens e mulheres é transformada pela aceitação do messias que é Cristo Jesus e, por isso, se consegue, também, compreender o que diz São Paulo na sua Carta aos Gálatas: «Não há judeu, nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher, porque todos vós sois um em Cristo Jesus» (Gal 3, 28).
Assim, o que me define, já não é o facto de eu ser judeu ou grego (a nacionalidade), ser um homem escravo ou um homem livre (a condição), ser homem ou mulher (o meu género). O que me define é o facto de me tornar um em Cristo Jesus, isto é, fazer-me ‘escravo’ do messias Jesus, para libertar a minha liberdade.
É, portanto, daqui que podemos cruzar os vários textos de São Paulo no seu todo para podermos encontrar o pensamento que a Sagrada Escritura faz sobre as mulheres. Na realidade, São Paulo, nos vários textos é marcado por um pensamento próprio da sua cultura e do seu tempo, mas, sem dúvida, que Paulo abre a mente humana para uma igualdade sem precedentes na cultura.
Giorgio Agamben abre-nos para uma leitura messiânica do pensamento de São Paulo que nos ajuda a libertar as nossas relações entre nós e a avançar para uma separação das separações, isto é, uma superação das divisões para que apareça a comunhão entre os homens do nosso tempo.
O que está, de facto, em cima da mesa hoje é o mesmo que esteve em cima da mesa no tempo de São Paulo: o tempo vai-se abreviando, o modo de ser deste mundo transforma-se com a aceitação da fé no messias que é Cristo Jesus. Essa transformação tem na base, seguramente, o amor como princípio de submissão entre homens e mulheres.