A história é conhecida. Na página da dedicatória de Memorial do Convento, José Saramago escreveu: “À Isabel, porque nada perde ou repete, porque tudo cria e renova”.
Mas entretanto Saramago e Isabel da Nóbrega divorciaram-se e o Nobel português retirou a dedicatória das edições posteriores do seu clássico, numa atitude que foi comparada por muitos à prática soviética de apagar das fotografias antigas figuras do regime caídas em desgraça.
Maria Isabel Guerra Bastos Gonçalves, ou Isabel da Nóbrega, pseudónimo pelo qual ficou conhecida, morreu ontem no Estoril, aos 96 anos, de causas naturais.
Nascida em Lisboa, em 1925, foi criada no seio de uma família protestante e deixou a sua marca na literatura portuguesa, como uma figura indisciplinada de afirmação feminina nos anos 60.
Além de cronista, no tempo em que era escassa a presença de mulheres nas redações de jornais, dedicou-se à escrita de contos, textos dramáticos, romances e literatura infantil.
Em 1965, com a obra Viver com os Outros, ganhou o prémio Camilo Castelo Branco. Foi conquistando terreno no meio literário português dos anos 50 e 60 pela irreverência que manifestava, bebendo influências em Virginia Woolf.
Foi também uma das fundadoras do jornal A Capital, tendo escrito também no Diário de Notícias, no Diário de Lisboa, no Primeiro de Janeiro e no Sol, onde assinou a rubrica ‘Cartas de mor de gente famosa’. Trabalhou ainda como tradutora em várias editoras, entre elas a Estúdios Cor, ao lado de José Saramago, com quem foi casada durante 16 anos.
Foi musa do escritor e grande instigadora do livro Memorial do Convento, que valeu a Saramago o Prémio Nobel. O nome “Blimunda” foi Isabel quem o escolheu, como contou numa entrevista à revista Tabu em 2009.
O ex-companheiro João Gaspar Simões distinguia Isabel da Nóbrega das outras mulheres pelos seus olhos verdes “demoníacos”, “a mais mortífera das suas armas”, escreveu o crítico no romance As Mãos e as Luvas, em 1975, depois da escritora o ter abandonado para ir viver com Saramago.
Para lá da literatura passou pela televisão e pela rádio, até se retirar da vida pública, há cerca de uma década.