Quando se fala em marketing e, sobretudo, em publicidade, uma das primeiras palavras que surge é anúncio. Previsível e desejável, os anúncios são o que a maioria das pessoas associa à atividade de comunicação comercial, é o que têm consciência de ver todos os dias quando ligam a televisão ou acedem a um site.
Mas, no mesmo dia, segundos depois, podemos ver no mesmo canal a mesma marca com um anúncio diferente, na maioria dos casos até é desejável que assim aconteça. Antigamente, não era assim.
Antigamente os anúncios eram a única expressão das marcas capaz de superar os limites geográficos de influência dos pontos de venda. Fazer um anúncio era um acontecimento, aparecer no jornal, num cartaz ou na rádio era uma distinção.
Aparecer na televisão era então sinal de diferenciação, até de alguma opulência. Um anúncio no intervalo era um estatuto reservado a algumas, poucas, marcas. Mas isso era antigamente.
Antigamente os anúncios faziam parte da identidade das marcas. Eram um elemento central da sua manifestação e perdurava. O restaurador Olex, as fantasias de Natal, o Porto Ferreira, a Regisconta ou a Bic não são as marcas que são pelos anúncios que fizeram, mas criaram anúncios que são indissociáveis da sua identidade.
Antigamente era assim, um anúncio era uma peça de comunicação que comprometia uma marca com uma promessa durante um longo período de tempo. Um motivo de orgulho. Mas isso era antigamente.
Hoje a lógica do anúncio símbolo de uma marca quase desapareceu. Do intervalo da novela ao do Superbowl, vemos anúncios de várias marcas e propostas irrecusáveis. Mas no mês ou ano seguinte, as mesmas marcas vão ter outras coisas para dizer e recorrer a novos protagonistas. Elementos com o símbolo, a assinatura ou a linguagem evoluem, mudam. Criar uma nova identidade para uma marca é um processo quase normal em determinado momento da sua existência. Antigamente, não era assim.
Já não é politicamente correto falar em anúncios, a própria palavra remete para o antigamente. Hoje ninguém os faz. Fazem-se campanhas, ações e ativações, testam-se vários criativos – não diferentes profissionais, mas diferentes versões da mesma peça – e usam-se os que entregam o melhor CTR em cada uma das plataformas.
Orientados e às vezes obcecados pelas métricas, com a possibilidade de medir o impacto de uma determinada campanha, qual o canal que converte melhor, esquecemos muitas vezes porque é que se fazem anúncios e a importância de gravar as marcas na memória e até no imaginário das pessoas. Claro que as métricas são importantes e que a capacidade de medir os resultados de uma campanha deve ser aproveitada, sempre, mas devem ser estabelecidos limites.
Usar apenas dados de vendas para suportar um briefing criativo é meio caminho andado para obtermos campanhas banais, que ajudam a vender o produto A ou B enquanto estão no ar e que rapidamente se esquecem quando se deixa de investir. A mesma fórmula resulta para vender o mesmo produto com uma marca concorrente. Antigamente, não era assim.
É quase insólito existirem possibilidades, nomeadamente de natureza tecnológica, que permitem elevar a criatividade da comunicação comercial para patamares e soluções até há pouco tempo inimagináveis, e simultaneamente reduzir uma cultura de risco que sempre foi característica do setor aos mínimos essenciais. Conhecemos as pessoas, a forma como interagem com as marcas em diferentes momentos como nunca.
Mantêm-se como grandes objetivos o conhecimento e reconhecimento das marcas, a importância de criar relações que transcendam os produtos e serviços que são oferecidos. Mas deixou-se de fazer anúncios, mesmo sendo um dos elementos mais característicos e associados a uma marca, que a definem e posicionam juntos dos consumidores e na sociedade. Não, antigamente não era assim.
Não subscrevo a ideia de que antigamente é que era tudo bom. Não era. Hoje existem mais possibilidades de fazer melhor comunicação, de compreender melhor a relevância e o contributo das marcas para a qualidade de vida das pessoas. Continua-se a trabalhar com base numa ideia, que dá resposta a uma necessidade comercial, que é disseminada por um conjunto de canais em vários momentos. Tudo certo.
E a tendência é para uma crescente sofisticação e exploração de novas possibilidades de chegar às pessoas em detrimento de canais e formatos mais tradicionais. É mais seguro e, no imediato, mais fácil de comprovar a sua eficácia. Antigamente, não era assim.
Apesar de reconhecer e perceber toda a importância das métricas, das possibilidades que a tecnologia oferece, da fragmentação das audiências por cada vez mais canais, custa-me entender porque é que se deixaram de fazer anúncios.
Qual é a marca que não quer comunicar uma proposta de valor, verdadeira na sua essência e exagerada na dramatização publicitária, que as pessoas são capazes de recordar durante anos? Como acontecia com tantas campanhas, antigamente.