Por Joaquim Silva Pinto – Gestor
Vai para sete meses, ao escrever para o Nascer do Sol três artigos seguidos, no rescaldo da reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) como Chefe do Estado, aventurei-me a seis previsões sobre o que se iria passar até ao Verão seguinte, fatalmente quente pelas repercussões sociais e económicas da desgastante crise sanitária. Tenho para mim que acertei em quatro e falhei estrondosamente em duas. Submeto-me assim ao juízo dos leitores.
Penso que ninguém me retirará razão ao considerar, que MRS se sentiria responsabilizado com o seu êxito político ultrapassando em mérito o do meu lembrado amigo Mário Soares em situação idêntica, nesse MASP II onde eu fora de novo chamado a apoiá-lo na linha da frente. Justifiquei a convicção elencando as dificuldades acrescidas, que Marcelo soubera ultrapassar. Dispenso-me de as recordar. Saliento sim, como então fiz, que o Presidente se iria demonstrar mais afirmativo, até porque a circunstância a tanto o obrigaria, fazendo-o perder a obsessão pela popularidade, preferindo ser respeitado a aplaudido, alicerçado no apoio de 70% do eleitorado, reafirmado em sucessivas sondagens, sem a preocupação de uma mítica unanimidade.
Fim do namoro com a ‘geringonça’, que respaldara em nome da estabilidade; distanciamento da utopia esquerdista radical; desconfiança das manipulações de Costa, enganando a torto e a direito o país no seu todo e quem tenha por perto a barrar-lhe os propósitos. O Chefe do Estado vem-se libertando do círculo redutor do cenário partidário para falar ao País real na qualidade de eleito pelo voto direto. Ajusta-se-lhe bem o figurino, porque desde muito jovem – conheci-o de perto por quanto desempenhava as funções de secretário de Estado do ministro seu pai – sempre demonstrou uma criativa independência de espírito, que assustava a família e frequentemente irritava o Presidente do Conselho de quem tomara o nome pela importância deste nas opções políticas e humanas dos Rebelo de Sousa.
Aceite o leitor a evocação de um diálogo com mais de 50 anos no contexto do Regime autoritário, onde a evolução tardava a sobrepor-se à continuidade pelo contrapeso da franja reacionária. Disse-lhe, conhecedor de pesados desabafos do poder constituído: Marcelo tenha cuidado. Resposta imediata do rapaz de vinte e pouco, sem lhe tremer a voz: O dr. Silva Pinto também… Deus lhe mantenha a postura de altivez e critério próprio no lodaçal da política de agora, equidistante de opções partidárias tantas vezes assentes em ambições de aceso ou manutenção em favor próprio fortalecendo-o a interiorizar, que a defesa do interesse de todos se não confunde com a de todos os interesses. Liberte-se da preocupação pela estabilidade, prefira ser o campeão da competitividade, meritocracia e inovação.
Acertado estive também e infelizmente, ao prever uma medíocre presidência portuguesa do Conselho Europeu, muito abaixo do que estivéramos com Guterres, tão brilhante na programação, quanto despesista imprudente e acolhedor condenável de péssimos elementos para colaboradores chegados, exceção a António Seguro, Maria de Belém, Francisco Assis, não muitos mais. Se os variados incriminados ou a caminho de o ser, requeressem o seu testemunho solidário teria o secretário-geral das Nações Unidas de vir amiúde a Lisboa. Também Sócrates, com o apoio de Luís Amado e João Cravinho filho, havia demonstrado uma correta visão comunitária europeia, enquanto Costa e com surpresa para mim Santos Silva revelaram prioritariamente a conceção da UE como fonte de financiamento dos países menos desenvolvidos em nome da solidariedade de grupo. O triste comportamento da mão estendida a sobressair com «já posso ir levantar o cheque ao banco?», rubrica do anedotário político a reforçar preconceitos dos países nórdicos em relação aos do Sul, sendo certo que a larga maioria dos latinos não se sente representada por personagens com o perfil de Costa e quejandos.
Prende-se com esta tacanha visão política do atual primeiro-ministro, mais esperto do que inteligente, incapaz de estratégia embora desembaraçado na navegação à vista, a ilusão de pensar que o isolamento o favoreceria no trono.
Apressadamente reduziu o núcleo duro do PS, após o naufrágio da geringonça, a um irrisório conjunto onde Cabrita não será dos piores, mostrando-se aliviado pelo termo da influência cimeira do prestigiado Mário Centeno. Noutra direção, desfez os elos de cooperação com os radicais aliados ao BE, antes por si apoiados na condução política em áreas de importância prioritária como energia, educação, saúde e equipamento, em tudo agudizando o fosso entre setores publico e privado, anulando com isso sinergias e encarecendo soluções. Manteve sim uma propaganda despudorada e recorreu ao susto da pandemia para anular iniciativas, no que resultou crescentemente desmotivador, por quanto os cidadãos de temerosos passaram a revoltados sem horizonte de esperança.
À margem da manipulação de sondagens e multiplicação de inaugurações de menor repercussão prática, Costa entrou em crise fora dos limites do submisso Partido onde ameaça mais do que convence. Saliente-se a provocatória constituição da guarda pretoriana dos 70 membros do Governo e seus mais 200 de colaboradores diretos num dispêndio que o Presidente da República nunca devia ter autorizado e do qual se virá a pedir contas não só em Portugal, como no âmbito comunitário onde também para isso se foi obviamente buscar o dinheiro de quem trabalha. Acresce a perceção do cidadão comum sobre o falhanço do direcionamento da solicitada ajuda da UE para a reconversão económica, sobretudo canalizada para a reincidência nas grandes obras publicas, menosprezando as virtualidades do tecido empresarial assente em exportações e criador de emprego.
Assistiu-me assim a razão ao antever tal cenário sombrio. Contudo, falhei ao configurar, perante as repercussões da atribulada atividade do PS em toda a Esquerda, a formatação de uma ampla aliança entre socialistas, bloquistas, dissidentes da CDU, independentes da intelectualidade pró-estatista, militantes sindicais defensores da confrontação marxista entre gestor e assalariado. Requerer-se-ia para tanto um novo e prestigiado líder. Fixara-me para tanto na pessoa de Ana Gomes, diplomata qualificada a par de veemente agitadora política. Estivera bem na campanha para a Presidência da República, derrotada unicamente no confronto televisivo com Marcelo Rebelo de Sousa, que guardara para o recontro o máximo da sua subtiliza. Só que onde eu pressentia a ‘mãe coragem’, a larga maioria dos esquerdistas encontra ‘a sogra azeda’, tão menos aceite quanta razão tenha. Ficará a senhora com o crédito de em muito haver contribuído para a independência de Timor-Leste, estimulando Guterres e Gama no árduo confronto em que se fez História. Goze de boa saúde o desconforto de só ter podido ser.
Desaparecido da cena política António Vitorino, esquecidos Jaime Gama e Vera Jardim, sempre lembrados, mas por más razões Ferro, Pedroso e Carrilho, desmotivado Santos Silva, desisto de antever quem ascenderá ao comando dessa potencial aliança popular à portuguesa, que Sócrates chegou a pensar para si mesmo, entre sonoras vozes de apoio de posteriores auto-silenciados, como se estivessem esquecidos de haver partilhado da repartição de fatias de poder. Saí então agressivamente do PS, onde entrara a insistente convite de Jorge Sampaio, após o êxito de ambos os MASP, para intervir com elevadas responsabilidades na Assembleia da República, Fórum PS (a génese, embora seletiva, da posterior abertura escancarada de Guterres) e na liderança de bancada na Câmara Municipal de Oeiras, onde pela única vez se retirou a maioria expressiva a Isaltino, autarca de boas iniciativas, nas complicadas contas.
Hoje, conheço insuficientemente o peso político de falados candidatos à substituição de Costa, sendo certo que a atividade exercida por todos no Governo não teve mérito relevante. Deixo, assim, em branco a temática da liderança da Esquerda para passar, nos dois próximos artigos da série Tá Mar, a fixar-me no que antevia e continuo a esperar, do lado da direita e centro vizinho na perspetiva do liberalismo sustentado ou reformista, que delimitando a direita radical, resulte da profunda reorganização do PSD com a saída de Rio e a chegada de alguém.