Este desconfinamento gradual a que temos assistido nos últimos tempos, pelo qual tanto suspirámos, parece não estar relacionado com o número de novos infetados que diariamente chega ao nosso conhecimento.
Quero com isto dizer que, ao desconfinamento, devia corresponder uma diminuição de pessoas infetadas, de novos internamentos e de vítimas mortais, quando, infelizmente, não é isso que tem acontecido.
Aos poucos vamos entrando na vida normal, mas o problema da covid-19 continua por resolver e a imunidade de grupo, de que se fala constantemente, não significa o fim deste vírus destruidor. Estamos condenados a ter de conviver com ele, à semelhança do que acontece com tantos outros, mas ninguém está dispensado de cumprir as regras a que está obrigado, como dever cívico.
Em minha opinião, o mais importante é o comportamento das pessoas, apesar de muitas ainda não terem percebido que a liberdade de cada um implica automaticamente uma responsabilidade acrescida.
Em finais de maio, o país viu o estádio do Dragão, no Porto, encher-se de uma larga multidão de adeptos estrangeiros para assistirem à final da Liga dos Campeões, que punha frente a frente dois clubes ingleses.
Estávamos em pleno confinamento, e os adeptos portugueses nem sequer podiam assistir aos jogos do nosso campeonato, que decorriam à porta fechada. Abriu-se assim uma exceção e facilmente se percebeu porquê. Porque a vertente económica falou mais alto do que os apelos da saúde pública – e o resultado não tardou a aparecer quando soubemos dos novos infetados. Bem sei que o país estava a necessitar urgentemente daquela injeção financeira, e os empresários da restauração e hotelaria fecharam um pouco os olhos ao momento que estávamos a viver, agarrando com quantas forças tinham a oportunidade que lhes caíra nas mãos. Mas, no fim, fomos todos nós a sofrer as consequências.
No meio de junho, numa noite em Albufeira, bem no centro daquela praia algarvia, o panorama era igualmente desolador. Ruas e ruas a abarrotar de turistas sem máscara e sem qualquer distanciamento, bebendo sem limite e divertindo-se pela noite fora sem respeito por ninguém. Estranhei a permissividade das autoridades policiais ao permitirem aqueles ajuntamentos com comportamentos reprováveis em tempos de pandemia, cujo resultado era fácil de prever: um aumento assustador do número de infetados, com o concelho de Albufeira a recuar no confinamento. E a culpa de quem será? Do vírus? Do Governo? Ou do comportamento das pessoas? Ainda hoje me lembro do comentário que fiz na altura, ao ver de longe aquele espetáculo degradante: «E depois queixem-se da covid-19»…
Em agosto passado, numa piscina famosa de outra praia algarvia – que tenho frequentado pela sua localização junto ao mar e pela qualidade dos serviços que oferece –, fiquei dececionado com o número de pessoas e, uma vez mais, com o seu comportamento.
A zona de banhos estava transformada em pista de dança, com muita gente de copo na mão, a dançar dentro de água, ao som de uma música estridente e insuportável. Disse a uma das funcionárias que era simplesmente escandaloso o número de pessoas cá fora, quase todas sem máscara e sem distanciamento, enquanto trinta e duas se divertiam na piscina, transformada em discoteca!
A rapariga abanou a cabeça, reconhecendo a evidência, mas obviamente não era ela a responsável. Decidi retirar-me – e de novo fiz o mesmo comentário: «E depois queixem-se da covid-19»…
Afinal, que queremos nós? Voltar à vida normal e ganhar imunidade para conviver com o vírus pacificamente, ou estarmos sempre com o ‘credo na boca’ com medo de novos surtos?
E enquanto não formos suficientemente responsáveis e continuarmos a adotar comportamentos de risco sem respeito algum pela liberdade dos outros, ninguém venha deitar culpas ao Governo, nem às autoridades policiais ou da saúde pública.
A responsabilidade é sempre de cada pessoa, em primeiro e último lugar. Não culpemos os outros por aquilo que só nós temos a obrigação de fazer. Se já estamos saturados por termos ficado tanto tempo em ‘prisão domiciliária’, comecemos por mudar o nosso comportamento. A continuarmos na mesma, vai haver inevitavelmente mais infetados, mais internamentos e mais vítimas mortais. E depois queixem-se da covid-19…