por Sofia Aureliano
1. Sobranceria e arrogância são obrigatórios. Sou só eu que acho que este executivo está cheio de exemplos de pessoas petulantes, arrogantes e de trato altivo e pretensioso, que se acham melhor do que as outras?
Não têm paciência para prestar contas, não respondem a perguntas, não justificam ações, tratam os alegadamente subordinados com rispidez e agressividade, dão ordens e não conselhos, questionam tudo o que não é dito por eles, acham-se acima da verdade, ignoram acusações e provas de má conduta, entre tantas outras manifestações pouco próprias de regimes democráticos.
Desta vez, foi à ministra da Modernização Administrativa que caiu a máscara. Mas é só mais um caso na longa lista de seres (que se autoconsideram) superiores que o governo congrega.
Na verdade, são atitudes pouco inteligentes e comprometedoras de qualquer espírito de sobrevivência.
Observem o líder, que cada dia está melhor na arte de representar. António Costa é hoje um comunicador mais astuto, um entrevistado mais preparado e resiliente, de rosto sempre sorridente e empático que, apesar de continuar a comer letras nas palavras, sabe cada vez melhor transmitir as mensagens. Dificilmente lhe escapam desabafos ou comentários de improviso. É ponderado no recado, diligente e atento na resposta, doutorado na mestria de comunicar.
Uma característica que não faz dele melhor primeiro-ministro. Mas ajuda-o a manter-se no cargo, demonstrando-o consciente da importância de ser tão assertivo quanto acessível e ajudando-o a passar uma boa imagem.
2. “Que grande ideia que acabei de ter!”. Já é clássica a disputa de autoria de medidas políticas apresentadas pelo governo. Ao contrário do que o executivo possa pensar, não chocaria ninguém se seguissem sugestões de outros partidos com assento parlamentar. É para isso que várias ideologias ocupam as cadeiras. É essa a composição da vontade popular. Também ninguém acharia descabido que o governo assumisse implementar propostas oriundas de partidos de orientação diferente. É esse o pináculo da democracia.
O que é difícil de compreender é a necessidade que o governo e o partido socialista têm de chumbar as medidas propostas pelos outros partidos, só porque não são suas, sem investir sequer uns míseros minutos a ler enunciados. Mais tarde, passado tempo suficiente para que se esqueça a origem (acham eles!), apercebem-se que até são boas sugestões e acabam por avançar com a sua implementação. O problema é que esquecem de revelar a verdadeira autoria e substituem-se no papel de inspirados criadores. Depois, confiando na demasiado fraca memória dos portugueses para identificar a manobra, fazem ouvidos de mercador a acusações de plágio, porque ser ladrão de ideias é um mal menor quando em opção está assumir o bom trabalho de outros.
Um excelente exemplo de má prática executiva com final feliz. Na verdade, guerras de patentes à parte, no fim do dia vinga o mais importante: a implementação das boas ideias, qualquer que seja a sua origem.
3. Negacionismo não é desculpa. O facto de estarmos contra uma ideia, uma ação, uma regra, não nos dá o direito de ofender quem a defende. Que tipo de pessoas somos se não respeitamos a liberdade dos outros? São vários os exemplos de pessoas que, escondidos por trás do rótulo do negacionismo, ultrapassam as barreiras para agredir física e verbalmente quem tem outra opinião, ou simplesmente respeita as regras. Como se ser negacionista fosse ser defensor de uma corrente filosófica moderna, de tal forma inovadora e vanguardista que é incompreendida pela maioria. Como se só os mais inteligentes vislumbrassem a verdade. E pertencer a essa corrente fosse tão especial que dá imunidade e livre trânsito para a violência.
Não dá.
Imagino que gostem de preencher as aberturas dos telejornais com aquilo que consideram manifestações de coragem, ousadia e intrepidez.
Repensem o conceito. Não é, de todo, positiva a mensagem que passam.
E em vez de embandeirarem o rótulo, como se de uma elite esclarecida se tratassem, talvez seja prudente consultarem um dicionário. Ser negacionista é negar ou não reconhecer como verdadeiro um facto ou um conceito que pode ser verificado empiricamente. Esta definição diz tudo. E nada tem a ver com pensamento inovador ou esclarecido. Pelo contrário. Traduz a opção de ficar dentro da caverna, a olhar para a escuridão do já conhecido.
Mas estão no vosso direito. A democracia oferece-vos a liberdade de expressão e permite-vos dizerem que pensam diferente. Mas também exige respeito pela verdade dos outros. Na mesma medida, são ambos direitos inalienáveis. Se não respeitam um, não esperem que seja respeitado o outro.
4. Adeus a Jorge Sampaio. Despedimo-nos este fim de semana do Presidente Sampaio, um homem que deixou a sua marca indelével na História de Portugal, sobretudo pelo seu acérrimo combate contra a ditadura e pela entrega a causas humanitárias.
Para mim, mais do que um estadista que distantemente via falar ao país na televisão, Jorge Sampaio era um vizinho simpático. Na minha adolescência, era ele Presidente da República quando eu fazia o meu caminho diário de casa para o Maria Amália e lhe passava à frente da porta. A saída pontual dele coincidia com a minha, sempre atrasada para entrar entre o primeiro e o segundo toque. Era encantador e próximo quando o cruzava e retribuía invariavelmente com um aceno de cabeça o “bom dia” que lhe dava, semelhante ao que dirigia aos outros vizinhos.
Ele não era qualquer pessoa, mas na altura eu não tinha noção dessa diferença. E também ele não a sublinhava, como se aceitaria que fizesse a primeira figura do Estado.
Compreendi bem o que significava a proximidade que todos lhe associaram na descrição na última homenagem. Também eu testemunhei o seu olhar sereno, tranquilizador e o sorriso acolhedor e agradável. A perda que sinto é, por isso, mais familiar do que institucional. Nada política. Como se tivesse morrido um dos meus vizinhos queridos.
Mais tarde, reconheci-lhe a responsabilidade de nos envolver, enquanto povo, numa das mais importantes causas humanitárias, promotora dos momentos em que mais me orgulhei de ser portuguesa. Timor Leste. A ele lhe agradeço a oportunidade de participar na luta coletiva que nos uniu, portugueses, num abraço sentido e único que viajou e rompeu fronteiras, em nome da liberdade de um país irmão que apenas fisicamente se encontrava distante.