Quando saio de manhã para ir pôr os meus filhos à escola, mal subo a rua desemboco numa rotunda onde a entrada é barrada por uma fila ininterrupta de carros que vão passando. É a hora de ponta não só de ir para o trabalho, mas para ir pôr os filhos à escola. Acomodo-me no banco do carro e pouso o queixo na mão porque já sei que vou ficar ali um bom bocado a vê-los passar. A maioria dos carros leva crianças no banco de trás. E não há um que me deixe entrar.
É aí que começam a surgir na minha cabeça as lembranças de tardes no parque em que aqueles pais que vão passando à minha frente, ou outros parecidos, falam aos filhos de partilha, solidariedade e educação. ‘Agora sai do baloiço e deixa o menino andar que já estás aqui há muito tempo’. Às vezes até de forma tão exagerada que fico na dúvida se a ideia é educar o filho, se estão realmente preocupados com os outros meninos, ou se simplesmente querem passar uma boa imagem aos outros pais.
Eu sei que não tenho prioridade para entrar na rotunda, mas talvez devesse ter o direito de entrar à frente da pessoa que ainda estava a ligar o carro quando eu ali cheguei. No entanto podem passar 100 carros que não há uma alma caridosa que se lembre de abrandar. Na primeira aberta sigo para o novo desafio. Acelero alguns metros até uma enorme fila que se estende à minha frente. Mais alguma dose de paciência, até chegar ao temido cruzamento onde, mais uma vez, estou dependente da generosidade dos outros para conseguir virar. Aqui há mais uma fila de carros parados – bastava um deles deixar um espaço aberto para eu conseguir passar. Mas aquela ânsia de chegar a algum lado leva-os a colarem-se uns aos outros sem me cederem passagem. Uns viram a cara e fingem que não me veem, outros passam de queixo erguido e o seu ar de superioridade por poderem decidir a minha vida naquele momento, outros ainda olham nos olhos e avançam convictos. Na minha cabeça volto a ouvir as vozes do parque: ‘Empresta o triciclo ao menino, ele também gostava de experimentar’.
Todas as manhãs tenho de deixar os meus filhos em quatro escolas diferentes e por isso tenho muito tempo para me confrontar com estas faltas de civismo que todos, com maior ou menor consciência, cometemos quando temos mais pressa, estamos mais distraídos ou com menos vontade de ser simpáticos. Para compensar algumas falhas deste género, quando sigo por uma reta imensa em direção à segunda escola cedo passagem a quem não tem prioridade e limpo a alma com a expressão de surpresa e alívio dos outros condutores ao perceberem que não vão ter de passar ali o dia todo à espera. É gratificante! (Excepto aqueles que passam com um ar de desprezo e arrogância que quase me estraga a manhã.)
Na chegada à terceira escola deparo-me com a fila de carros à porta que vão deixando sair as crianças de mochila. Também aqui há sempre aqueles que parecem indiferentes ao trânsito que se forma atrás deles e ficam demasiado tempo a despedir-se dos filhos. ‘ Vá, desce lá o escorrega que tens uma fila de meninos atrás de ti’. Surdos àqueles que deixam cair a mão pesada na buzina e ali ficam a incomodar todas as pessoas dos carros, das casas, da escola, e que passam na rua como se a sua vida dependesse daquele minuto a menos. ‘Deixe estar, não se preocupe, deixe-o descer descansado, o meu filho também tem de aprender a saber esperar’.
E assim se começa o dia com uma verdadeira aula de cidadania.