Por João Maurício Brás
Conceitos fundamentais estão envoltos em sentidos confusos e usos indevidos. É o caso do conservadorismo, como do liberalismo, do socialismo e da modernidade. Há um conservadorismo possível para o século XXI que nada tem a ver com associações erradas. Ser conservador não é ser reacionário, nem tradicionalista, nem ser apologista do mau populismo, nem fascista, da alt-right ou qualquer expressão extremista e radical da direita, ou aceitar qualquer movimento que proponha mundos alternativos, paranoicos e conspirativos e que seja antissistema por sistema. Por exemplo, Trump e Bolsonaro nunca poderiam ser conservadores, são efeitos, excrescências ideológicas da erosão das cada vez menos democracias liberais.
Estamos perante uma profunda crise de legitimidade e ligação entre a sociedade e o funcionamento das ditas democracias liberais. Algumas provas são o alheamento e a abstenção das pessoas, a descrença nos políticos, a agitação sem efetiva vigilância dos extremismos à esquerda e à direita. Não há chão sólido de ideias e de práticas e esse vazio está cada vez mais presente na profunda desorientação das sociedades atuais.
Ser conservador significa guardar o que de melhor fizemos e pensamos, adaptá-lo a cada tempo, corrigir o que há para corrigir e transmiti-lo às novas gerações. Há um tesouro que é o reservatório do melhor da experiência humana, que se encontra no melhor da nossa história e numa ideia de futuro, das nossas práticas da vida em comum, resultantes dos laços sociais e da compatibilidade da liberdade individual com a comunidade e o bem comum, da ideia da dignidade da pessoa e de sociedades decentes.
Ser conservador significa que não vale tudo, que existem limites e portas que não se devem abrir. Ser conservador é saber que não somos deuses, que as promessas de trazer o céu para a terra ou do homem-deus que é o homem demente são suicidárias.
Não há uma bondade natural, nem uma maldade inevitável, mas nem tudo é relativo ou simples contexto. Não há também conquistas irreversíveis, como é caso da liberdade individual responsável, da democracia e da equidade que têm que ser defendidas e reafirmadas. Não há sociedades ideias mas sociedades reais.
Ser conservador não é defender qualquer desigualdade económica e social imutável ou baseado em algo que não o esforço, o mérito e o trabalho. A igualdade de condições é fundamental, mas o igualitarismo é destrutivo da liberdade, do mérito e do esforço. Diferença não é desigualdade. A base das sociedades não é a economia, não pode ser, mas sim um conjunto de valores fundamentais. O mercado livre, a livre iniciativa e concorrência são alicerces de sociedades decentes, mas devem fundar-se na confiança, assim como a liberdade individual é indissociável da responsabilidade. Um conservador sabe que a mudança significa vitalidade, mas há também um património civilizacional que se deve cuidar e legar. Esse património são os nossos tesouros: da filosofia grega ao cristianismo, à ciência moderna, à apologia da razão, ao iluminismo, à democracia, ao Estado de direito e à separação de poderes. Começar tudo do zero, considerar que tudo vale o mesmo, que não há limites, autoridade (diferente de autoritarismo), que tudo é subjetivo e que todo o poder é opressivo e maquiavélico, que podemos fazer o que quisermos faz parte do niilismo destrutivo que tem resposta no conservadorismo.