Duvido que as minhas filhas aos dezassete anos contem os meses, como eu e muito amigos contámos, para fazer dezoito anos. Aos dezoito podíamos tirar a carta, o que representava muito mais do que a possibilidade de poder conduzir um automóvel: emancipação, liberdade e responsabilidade. Porém, a nossa relação com a mobilidade tem vindo a mudar de forma muito acelerada nos últimos anos. A necessidade de ter um carro é cada vez menos evidente, proliferam alternativas para todo o tipo de deslocações.
Há vários fatores que contribuem para uma menor dependência do automóvel. A capacidade de trabalhar à distância, a conveniência de fazer compras online, nas cidades, o crescimento de soluções alternativas mais eficientes para muito tipo de deslocações. Nos mais jovens, a consciência ambiental e uma relação muito diferente com o sentimento de posse, e o facto de comprar um carro envolver um investimento significativo, que normalmente implica um compromisso financeiro de médio prazo, é algo que procuram evitar. E, claro, porque têm um menor poder de compra e preferem gastar o seu dinheiro noutro lado.
Mas os carros não vão desaparecer, pelo contrário, um grande potencial de crescerem a sua relevância no contexto do marketing. Hoje as marcas relacionam-se com os seus clientes através das experiências que proporcionam e quanto mais personalizadas, melhor. E dificilmente encontramos um espaço como um carro onde consigamos recolher tanta informação sobre uma pessoa como dentro do seu carro. Com a vantagem de grande parte da tecnologia necessária para o fazer já estar desenvolvida e implementada na maioria dos carros.
Um carro produzido nos dias de hoje tem tecnologia instalada que permite perceber os nossos trajetos, quando acontecem, com que frequência e todo um conjunto de parâmetros visíveis para o condutor. Consumo, autonomia, indicação de avarias ou avisos de necessidade de manutenção são elementos comuns. Mas pode saber muito mais, como o número de ocupantes e quanto é que estes pesam ou medem (e respetivas variações), por exemplo. Pode estabelecer padrões e antecipar níveis de stress através da forma como conduzimos ou pelo tom de voz que usamos para falar com outras pessoas. As capacidades tecnológicas, as possibilidade de conhecer os comportamentos das pessoas é praticamente infindável e está ainda muito pouco explorada. Já a necessidade de as marcas conhecerem os seus consumidores, atuais e potencias é cada vez maior, ao mesmo tempo que a obtenção de informação, data, por outras vias que não a direta, é cada vez mais difícil.
Aliada à crescente capacidade tecnológica, surge a evolução do comportamento dos consumidores. A necessidade de estarmos sempre ligados e o aumento da capacidade de fazer várias coisas em simultâneo, espaço carro tende a ser utilizado para cada vez mais tarefas. É tempo útil que não pode ser desperdiçado, e a tecnologia permite que se faça, enquanto ao volante, muito mais do que simplesmente conduzir. A possibilidade de ouvir rádio, depois cassetes e cd’s, de fazer chamadas e ter uma voz que nos indica o melhor caminho, são alguns dos marcos que têm aumentado o número de experiências disponíveis num automóvel.
Hoje dizemos que todas as empresas são empresas de software e a indústria automóvel não é exceção. Será a experiência do ‘espaço carro’ e as novas formas de acesso ao produto que o irão manter relevante. Por isso duvido que as minhas filhas venham a ter a mesma ânsia pela carta que a minha geração teve. Mas tenho a certeza que um dia que elas viagem com os seus filhos, oiçam tantas vezes a pergunta ‘ainda falta muito para chegarmos’, pois certamente estarão ocupadas a fazer outras coisas. Tal como elas são muito mais tolerantes nesse particular do que eu fui para os meus pais.
Senior Manager da Accenture Interactive