A Ordem dos Advogados (OA) aprovou uma alteração dos requisitos de ingresso dos novos advogados estagiários que prevê que só passem a ser admitidos na OA quem for detentor do grau de mestre ou doutor, licenciados pré-Bolonha ou com o respetivo equivalente legal, como pós-graduações reconhecidas pela Ordem. Aprovada em assembleia geral na passada sexta-feira, a proposta segue agora para Assembleia da República para ser votada na generalidade. Mas as novas regras para a inscrição no estágio da Ordem, propostas pelo Conselho Geral desta estrutura, que é liderado pelo bastonário Luís Menezes Leitão, têm gerado um amplo descontentamento por parte dos estudantes de direito, que chegaram até a realizar uma manifestação junto da OA.
Em declarações ao i, o presidente do Conselho Nacional de Estudantes de Direito (CNED) aponta que a alteração em causa poderá causar “sérias repercussões no percurso formativo dos futuros advogados, dado estenderem o seu percurso em mais dois anos” através da exigência de um mestrado, aos quais se somam ainda os 18 meses de formação da Ordem, ou seja, perfazendo um total de oito anos, contando com os quatro anos de licenciatura. E “isto se obtiverem sucesso académico em todas as fases”, adverte.
Segundo Gonçalo Oliveira Martins, a este prolongamento do percurso académico acresce ainda um outro problema. “Há uma quase inexistência de mestrados práticos/profissionalizantes como existem noutros países da Europa, fazendo com que estes oito anos de formação sejam de mera preparação teórica, alheia à vertente prática que tanto condiciona o exercício da advocacia”, constata, defendo que seria “muito mais eficiente abdicar da exigência de mestrado e operar uma reformulação dos 18 meses de formação da Ordem dos Advogados em algo mais prático”.
Apesar de reconhecer que “qualquer grau académico e formação adicional é benéfica para o percurso de todos os juristas”, o responsável do CNED considera também que a exigência de mais este requisito coloca entraves no acesso à profissão, desde logo, por questões financeiras, “dado não existirem, no nosso modelo atual, bolsas sociais capazes de satisfazer as propinas de mestrado”.
“Sendo já difícil para muitos estudantes ter a capacidade económica necessária para fazer face às despesas de habitação, alimentação, deslocação, e afins, durante a licenciatura, ao exigirmos a frequência deste ciclo de estudos adicional, estamos praticamente a vedar-lhes o acesso à profissão”, acusa.
Além disso, acredita ainda que este será mais um motivo que levará muitos estudantes a abandonar a intenção de seguir uma carreira na advocacia e que “poderá condicionar a própria escolha da licenciatura àqueles que estão indecisos pela área a seguir, simplesmente por considerarem não ter a exigida capacidade” de suportarem-se financeiramente durante oito anos de formação. “Não só é um problema nas saídas profissionais, como também o é na própria fase de ingresso no ensino superior”, evidencia Gonçalo Oliveira Martins.
Por seu lado, o bastonário da Ordem dos Advogados refere que a proposta “encontra-se em harmonia com o que se pratica nas restantes ordens europeias, e bem assim com o que presentemente se exige para o ingresso no Centro de Estudos Judiciários, não havendo por isso qualquer razão justificativa para que não seja adotada”.
“Nunca ouvi o CNED dizer uma única coisa contra a exigência de mestrado para ser magistrado. Aí nunca vieram dizer que era um impeditivo no acesso à profissão, que era muito caro ou que não era adequado”, contrapõe Luís Menezes Leitão.
Na ótica do bastonário, não faz sentido “que se exija esses requisitos para o acesso às magistraturas e depois não se exija o mesmo relativamente aos advogados”, uma vez que “os advogados vão defrontar-se todos os dias com os magistrados nos tribunais e, por isso, é necessário que estejam preparados da mesma maneira”.
Relativamente à situação de “inexistência de mestrados práticos” em Portugal levantada pelo CNED, Menezes Leitão destaca que há mestrados que dão preparação para a entrada na profissão, salientando que a formação prática “é essencial para haver uma preparação adequada para entrar na Ordem e isso é uma formação em Direito que tem que ser dada pelas universidades e que sempre foi assim até há 8 anos”, referindo-se ao processo de Bolonha.
“Quando entrei na Ordem, tive uma licenciatura de cinco anos e depois fiz um estágio de dois anos, não é novidade nenhuma o que estamos a propor”, contesta.
O bastonário considera ainda que as exigências de formação académica para o acesso à profissão em Portugal são inferiores às que se verificam no resto da Europa, o que “é altamente prejudicial” aos advogados portugueses, uma vez que, “num quadro de crescente internacionalização da advocacia”, em que os advogados portugueses têm que competir com colegas europeus, “transmite a mensagem de que os advogados estrangeiros têm uma formação académica superior”.
“Nos concursos internacionais não faz qualquer sentido que os nossos advogados tenham uma formação inferior à que é praticada na Alemanha, em Itália, França ou Espanha. Estes quatro países têm requisitos superiores e, por esse motivo, se não for adotada uma medida deste género os nossos advogados ficarão discriminados”, reitera.
Sobre a questão financeira, defende que há bolsas de estudo para todos os que não têm possibilidades de frequentar o ensino superior, além disso, adianta que, a confirmar-se a obrigatoriedade de um mestrado para ingressar na Ordem, serão feitos ajustes ao valor das propinas exigidas para este tipo de cursos. “A partir do momento em que nós exigimos mais este requisito, as universidades são obrigadas a praticar no mestrado o mesmo preço que nas licenciaturas, aliás muitas estão a questionar isso porque sabem que será essa a regra. É assim em todas as outras licenciaturas que exigem mestrado para entrar nas profissões, nomeadamente em medicina e em engenharia”, garante.
Lembrando que há exatamente o mesmo requisito na magistratura, Luís Menezes Leitão diz nunca ter ouvido ninguém que dissesse que não tinha acesso à magistratura por razões financeiras. “Portanto, também não vejo como é que essa situação se irá colocar no âmbito da Ordem dos Advogados”, refuta.