Por Luís Mira Amaral
Engenheiro (IST) e Economista (MSc NOVA SBE)
Ex-ministro da Industria e Energia (1987-95)
Tive no governo a preocupação de atrair bom investimento direto estrangeiro (IDE) para a industria portuguesa. O IDE era essencial para diversificar a nossa estrutura produtiva, aumentar o nosso conteúdo tecnológico, fornecer emprego qualificado e abrir novos mercados para as nossas exportações. Dois desses mais felizes exemplos foram a Autoeuropa e a Continental, porventura este menos divulgado.
Com a ajuda da minha amiga Carmo Jardim, na altura a trabalhar na SIVA importadora do grupo VW, convidei para um almoço num restaurante em Genève o membro do Conselho de Administração da VW com o pelouro financeiro (CFO) Dieter Ullsperger. Eu e a Carmo conseguimos então pôr o nosso pais no radar da VW. Como o segredo é a alma do negócio, este encontro não foi na altura divulgado. Nasceu assim o projeto Autoeuropa, apoiado pelo Regime Contratual de Investimento, que começou por ser uma joint-venture entre a VW e a Ford, tendo depois esta saído e ficado só a VW.
No que toca à Continental, a grande empresa alemã de pneus, o meu amigo Américo Amorim tinha comprado a Mabor e convidou-me para a visitar como objetivo do PEDIP apoiar um grande investimento na sua modernização. Disse-lhe que o negócio dos pneus já não era um negócio doméstico e como tal ele teria que ir buscar uma grande empresa internacional que com ele investisse na modernização da Mabor, pondo eu então o PEDIP a cofinanciar o investimento. Américo Amorim foi buscar a Continental, formaram a joint-venture Continental-Mabor e o investimento foi apoiado ao abrigo do Regime Contratual de Investimento. Através da Mabor, atraímos assim a Continental para esse grande investimento em Lousada, que ainda hoje perdura com grande sucesso. Américo Amorim vendeu depois a sua participação à Continental, fez um bom negócio, e o pais ganhou mais uma excelente empresa internacional para o cluster automóvel.
Na sequência do investimento da Autoeuropa constitui no Ministério da Industria ,através do IAPMEI, o Gabinete de Apoio à Participação da Industria Nacional (GAPIN),destinado a fomentar e dinamizar as empresas de componentes para serem fornecedoras da Autoeuropa numa primeira fase e aproveitando essa alavancagem passarem depois a exportar para o mercado global.
A Autoeuropa emprega mais de 5000 trabalhadores, produz 223000 veículos por ano, e é responsável por 1.6% do nosso PIB e por cerca de três quartos da produção automóvel nacional. Assim a Autoeuropa é um excelente exemplo de empresa integradora e exportadora, que devemos seguir na captação de IDE, pois abre mercado para fornecedores nacionais que depois também se tornam exportadores. A Autoeuropa foi assim ancora para o crescimento dum dos maiores clusters exportadores nacionais, com fabricação/montagem de veículos e industria de componentes, atingindo cerca de 11 mil milhões de exportações antes da covid.
A Autoeuropa está neste momento a produzir o modelo T-Roc com grande sucesso mas a grande questão tem a ver com o seu futuro, num momento em que o grupo VW está a fazer uma acelerada reconversão para o veiculo elétrico, tendo a VW apostado na Skoda para fazer veículos elétricos. Em todo o caso, e isto é pouco conhecido, a Autoeuropa também já produz componentes para outras fábricas do grupo VW, e neste contexto já está a produzir componentes para os veículos elétricos. Os sucessivos governos têm feito e bem sucessivos acordos de investimento com a Autoeuropa. Será que a VW vai continuar a apostar nos veículos de combustão interna (VCI) e após o T-Roc ainda haverá futuro para outro VCI em Palmela ou será que a sua produção deverá ser gradualmente adaptada aos híbridos e aos veículos elétricos (VE)?A resposta a estas questões ditará o futuro da fábrica de Palmela.
Por outro lado, face à importância que tem hoje em dia o cluster automóvel (componentes e fabricação de veículos), parece-nos essencial a defesa e reforço desse cluster num momento em que a industria automóvel está a sofrer uma mudança estrutural do VCI para o VE. Temos um conjunto de empresas que produzem componentes metálicas e de plástico, que continuarão a ser essenciais para os VE, sejam eles a baterias (BVE) ou a pilhas de combustível alimentadas a hidrogénio (FCVE).Temos que aproveitar a atual capacidade de produção, que só na Autoeuropa com o T-Roc ascende a mais de 200 mil veículos por ano, para reforçar a preparação dos nossos fornecedores para a transição no futuro para o VE. O VE tem menos componentes e até menos complexidade que o VCI mas as baterias são uma componente chave. Ora as baterias viajam mal e por isso, para defender as nossas empresas montadoras/produtoras de veículos, conviria, tal como os espanhóis estão a fazer, atrair uma fábrica de baterias. Acontece que Portugal tem as maiores reservas de lítio da Europa e isso é uma oportunidade única para dinamizar uma cadeia de valor desde o lítio até às baterias. Então conviria dinamizar os projetos de exploração mineira que se perspetivam e, a partir do concentrado de espumodena existente nas minas em Portugal, virmos a ter uma refinaria para o converter em hidróxido de lítio que é depois usado nas células das baterias de ião-lítio.
A Galp, na sua transição para as energias renováveis e para o VE, já se disponibilizou para um investimento na refinaria e conviria atrair através do IDE uma fabricante de baterias para termos completa essa cadeia de valor e defender o nosso cluster automóvel na passagem para a mobilidade elétrica, formando-se em Portugal um mais completo cluster da mobilidade.