Sempre que vou ao Algarve e entro na Via do Infante a caminho da Praia da Rocha, vejo no alto da serra, sensivelmente a meio do percurso, uma grande mansão, que outrora foi de uns amigos nossos. Apesar de residirem em Lisboa, faziam daquela casa segunda habitação e por ali ficavam várias semanas no ano.
Era um regalo para os olhos apreciar aquele luxuoso ‘casarão’ e os seus interiores, com jardins lindíssimos e fontes de água a correr, terraços amplos com vista deslumbrante e uma piscina arquitetonicamente desenhada, permitindo admirar em seu redor os encantos da região.
Esta casa, que chegou a ser capa de revista, como uma referência de beleza e de bom gosto, lembra-me episódios da minha vida que me deixam saudade e uma certa nostalgia de outros tempos que já não voltam.
Recordo as muitas vezes que lá fui, as pessoas com quem lá me cruzei e a amizade sem fim dos donos da casa, exímios na forma de bem receber.
Um dia, pela lei natural da vida, o seu proprietário deixou-nos. Como amigo que sempre fui, não podia faltar na sua despedida; mas, para espanto meu, quase ninguém estava presente.
Intrigado com a situação, pensei para mim: ‘Tantos amigos que ele tinha e não vejo aqui nenhum… Onde estarão aqueles que frequentavam regularmente a sua casa?’. Comentando o caso com a minha mulher, fiquei logo esclarecido: «Não eram amigos… Eram conhecidos», disse-me ela convictamente. E a minha interrogação deixava de fazer sentido…
De facto, sempre se confundiram amigos com conhecidos, mas são conceitos muito diferentes. Todos temos muitos conhecidos, pessoas com quem nos relacionamos de quando em quando, que vamos conhecendo aqui e ali numa relação mais ou menos prolongada, mas isso não significa que sejam nossos amigos, no verdadeiro sentido da palavra.
Para já não falar dos chamados ‘amigos de ocasião’, que nos procuram apenas quando precisam de alguma coisa e sempre quando estamos em situação de lhes podermos ser úteis. Estes seguem a velha máxima ‘Muito tens, muito vales; nada tens, nada vales’.
Ser-se amigo é bem diferente. É estar presente na hora certa, nos bons e nos maus momentos. É ser-se solidário. É rejubilar de alegria com as alegrias dos outros e acompanhá-los no sofrimento com o nosso carinho, a nossa palavra e a nossa presença constante.
Por isso, face às exigências da verdadeira amizade, não andarei muito longe da verdade se disser que conhecidos temos muitos, amigos talvez poucos. Viu-se isso durante a pandemia, que serviu também para perceber quem eram os conhecidos e os verdadeiros amigos.
Na área da saúde, o problema põe-se de maneira diferente. Os doentes que acompanhamos não são amigos nem conhecidos. São pessoas que precisam de nós do ponto de vista profissional e que devem ser tratadas com o maior respeito e com toda a dedicação, mas que não são nossas amigas – pelo que não devemos esperar delas o que é próprio e exclusivo da amizade.
É um facto que na Medicina Familiar, com o decorrer dos tempos, se estabelece inevitavelmente uma relação de cumplicidade entre médico e utente. Mas esta deve ser gerida com todo o cuidado, para não ferir suscetibilidades. Porque, mesmo próxima, é uma relação diferente.
Com a experiência que tenho, posso e devo prevenir os colegas mais novos, aconselhando-os a terem muita prudência e bom senso com os doentes. É que, quando estes vão ‘endeusando’ a relação que têm connosco, muitas vezes esta relação acaba mal. Fala a experiência.
Ouvi falar disto há muito tempo a um colega mais velho, ou seja, mais experiente, e hoje reconheço que ele tinha razão. Infelizmente. Creio que não deve haver médico nenhum que, no final da carreira, não tenha uma história para contar onde a entrega, a dedicação e o profissionalismo acabaram em desconfiança e ingratidão por parte do doente. É muito comum na nossa vida profissional – e ninguém está livre disso.
Depois destas reflexões, faço uma pergunta: quantos amigos verdadeiros temos? No núcleo que elegemos, serão mesmo todos amigos?