Numa altura em que muitos adeptos de futebol questionam o seu amor pelo desporto-rei, com clubes que valem mil milhões de euros a tentarem criar um recreio para brincarem, no projeto falhado Superliga Europeia, ou equipas que monopolizam os maiores talentos futebolísticos no seu plantel, resta apenas o grito de um jovem atleta mexicano: «FOOTBALL IS LIFE».
Este grito é a imagem de marca de Dani Rojas, ponta de lança do clube inglês AFC Richmond que entra no relvado com uma alegria contagiosa de um miúdo que consegue fazer daquilo que mais ama o sustento da sua vida.
Se o leitor se está a questionar, «Mas quem é afinal este prodígio?», não se preocupe, não é mais um produto da academia do Barcelona – é, sim, um personagem interpretado por Cristo Fernández para a série Ted Lasso, produzida pela AppleTV, e que, esta semana, arrecadou sete prémios nos Emmys, evento que distingue o melhor conteúdo produzido para a televisão.
Apesar de The Crown ter sido o grande vencedor da noite, com 11 prémios, a série protagonizada por Jason Sudeikis (vencedor do Emmy de melhor ator principal de uma série de comédia), que representa o papel titular de Ted Lasso, um amável, mas inocente treinador americano, contratado para liderar o clube de Richmond, foi uma das grandes «surpresas» deste certame.
Dizemos «surpresa» por ter sido a estreia da série neste evento, porque para quem acompanha Ted Lasso, que já vai na segunda temporada, e que já tinha arrecadado o prémio de melhor ator numa série de comédia nos globos de ouro, em fevereiro, o sucesso e a sua consagração é algo natural.
O que torna Ted Lasso tão especial?
A primeira vez que Ted Lasso mostrou os seus trocadilhos a uma audiência foi numa série de anúncios para a NBC Sports, a publicitar a cobertura deste canal da Premier League.
Jason Sudeikis encarnou a personagem do inocente treinador, mais próximo do simpático vizinho dos Simpsons do que de um José Mourinho, e, a conselho da sua ex-mulher, Olivia Wilde, decidiu aproveitar o potencial deste papel: et voilà, surge a ideia para fazer a série.
A premissa de Ted Lasso é muito simples: Rebecca Welton (interpretada por Hannah Waddingham, que venceu o Emmy de Melhor Atriz Secundária numa série de comédia) passou a ser Presidente do clube inglês AFC Richmond depois de se divorciar do seu marido e, para se vingar do mesmo, decide contratar o pior treinador possível para arruinar o clube, que é a maior paixão do seu ex.
Eis que entra Ted Lasso, um treinador de futebol… americano, que se tornou viral por realizar uma dança no balneário depois de vencer um campeonato com a sua equipa universitária. Sem nada perceber de futebol, é contratado por Rebecca para se mudar para Inglaterra e enterrar ainda mais o clube.
Bastante simples, certo? Então, qual é a razão para toda a euforia em torno desta série?
Bem, em primeiro lugar, o mais importante é desmistificar o mais recorrente comentário sobre Ted Lasso: não, Ted Lasso não é uma série sobre futebol. Mais depressa o argumento insere uma piada sobre a banda americana Kiss ou uma referência ao cineasta Martin Scorsese do que menciona a complexidade tática do ‘tiki taka’ de Pep Guardiola.
«Era possível encher duas internets com aquilo que eu não sei sobre futebol», diz a certa altura o treinador ficcional, algo que, apesar de ser verdade, serve para explicar o porquê de ser tão apelativo para adeptos de futebol ou para aqueles que não fazem ideia do que é um meio-campo em formação de diamante.
«A sitcom Ted Lasso… é verdadeiramente boa», admitiu Miles Surrey do The Ringer, num artigo onde confessa que, antes de começar a ver a série, estava cético em relação à sua qualidade.
«Esta série não tem o direito de ser tão boa, engraçada e comovente. No entanto, devorei a primeira temporada num único dia enquanto dizia ao meu editor, incrédulo, que esta era uma das minhas novas séries favoritas. No que diz respeito a produções de TV, esta pode muito bem ser a equipa do Leicester City que venceu a Premier League», escreveu Surrey, comparando Ted Lasso com os «underdogs» ingleses que venceram inesperadamente a Liga Inglesa, em 2016.
Mas, para lá das comparações futebolísticas, Ted Lasso, se tivesse de ser comparada com algo, seria como um forte e quente abraço de um dos nossos mais velhos amigos. Com o futebol a servir de cenário, mas a ocupar sempre um segundo plano, a série aproveita para explorar assuntos como as relações interpessoais, como o otimismo pode ser a melhor arma para atingirmos os nossos resultados e como todas as pessoas que nos rodeiam possuem o seu próprio universo de problemas.
Finalmente, a Netflix sorri
Apesar de Ted Lasso ter sido uma boa surpresa deste certame, quem, por fim, pode celebrar foi a Netflix, que, graças a séries como The Crown e The Queen’s Gambit, levou para casa mais prémios do que qualquer outro rival, sejam canais de televisão ou plataformas de streaming.
The Crown, especificamente, foi um autêntico devorador de prémios com 11 vitórias, onde estão incluídas a Melhor Série Dramática, melhor argumento e cinco prémios de melhores atores.
Já a série protagonizada por Anya Taylor-Joy, que interpreta o papel de Beth Harmon, uma mestre do xadrez nos anos 1960, apesar de ter arrecadado 11 estatuetas, entre as quais Melhor Série Limitada, não escapou a controvérsia esta semana.
A Netflix está a ser processada pela jogadora soviética Nona Gaprindashvili por uma frase dita na série que está a ser considerada machista. Há um episódio onde é afirmado que Gaprindashvili, apesar de ser «campeã mundial feminina nunca enfrentou homens», um facto que é contestado pela ex-jogadora.
Gaprindashvili está agora a processar a plataforma de streaming em 5 milhões de dólares [4,2 milhões de euros] por difamação. «É uma falsidade devastadora que menospreza e degrada as conquistas [de Gaprindashvili] perante uma audiência de muitos milhões», pode ler-se no processo.