O Sol quando nasce é para todos! E depois da covid? Apaga-se?

É imprescindível garantir às pessoas com incapacidade as condições laborais específicas para que possam continuar a ser elementos ativos da sociedade, cuja forca de trabalho pode e deve ser valorizada e utilizada.

por Isabel Saraiva Morgado
Médica

Vivemos tempos inesquecíveis. Um vírus invisível fez explodir uma guerra mundial. O exército não estava preparado, mas rapidamente se delinearam estratégias de combate. Tal como este vírus sofreu inúmeras mutações, também o mundo as sofreu. E no final, que lições vamos reter? Quem não fez uma reflexão de vida, ao atravessar este período da História? O isolamento é assim tão devastador? Igualdade ou equidade? Que defendeis?

A minha lição resulta de uma longa reflexão, e foca-se no Direito ao Trabalho. O trabalho é fundamental para a autoestima, reconhecimento social e dignidade humana. E é por esses motivos (do foro pessoal) que é capaz de gerar uma força económica global que faz girar o mundo. Este direito é, pois, reconhecido na Constituição da República Portuguesa, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Em março de 2020, em plena pandemia, foi criada uma legislação excecional, mas temporária, que implementou o regime de teletrabalho obrigatório em doentes com incapacidade igual ou superior a 60%, imunodeprimidos ou com estatuto de deficiente. E aqui surge uma pergunta óbvia: por que haverá esta medida de ser transitória e não definitiva?

A incapacidade é definitiva, a deficiência associada também, a doença inerente, crónica e progressiva, idem, e a imunossupressão a maior parte das vezes.

E assim nasce a petição lançada a 31 de agosto – ‘Inclusão no trabalho: doentes com incapacidade superior a 60%, imunodeprimidos ou deficientes – que abraça estes três grupos de pessoas e defende que a dita legislação excecional seja definitiva. O regime de teletrabalho já é possível e dever-se-á manter nestes grupos específicos, preferencialmente em regime domiciliário.

No mesmo universo de doentes, mergulhando mais profundamente no Direito do Trabalho, constrói-se uma rede firme e sólida, tendo por base vários pressupostos legais já existentes, mas dispersos. E lança-se a proposta de criação de uma nova lei de regime laboral específico para as seguintes pessoas:

– Portadores de incapacidade igual ou superior a 60%;

– Imunodeprimidos;

– Estatuto de deficiente.

Nem todos concordarão. Haverá quem diga: «Eles são é uns mandriões, uns preguiçosos! Todos temos os mesmos direitos e os mesmos deveres».

Ora, não são mandriões nem preguiçosos! Podem ter uma capacidade de trabalho reduzida, mas nem por isso deixam de ser capazes, de ter talentos, de ser inteligentes. Se queremos ver o pôr-do-sol, a criança pode precisar de um colo mas o adulto não…

Designa-se ‘igualdade positiva’ tudo aquilo que seja ‘tratar igualmente o que é igual e desigualmente o que é diferente’. Portanto, a igualdade admite situações de tratamento desigual, como sejam as compensações ou adaptações necessárias nos deficientes que atenuem as desigualdades de partida. Uma das funções do Estado é a promoção da ‘igualdade real’ entre todos os portugueses, o que está patente nesta petição.

«O sonho da igualdade só cresce no terreno do respeito pelas diferenças».

 Augusto Cury

Infelizmente, os dados estatísticos comprovam a exclusão de pessoas com deficiência no mercado do trabalho. Mais: há correlação direta entre deficiência, discriminação, pobreza e exclusão social, sendo as pessoas com deficiência as que continuam a figurar entre as mais desfavorecidas socialmente.     

Em Portugal, a taxa de desemprego de pessoas com deficiência – em concreto, mulheres com deficiência – está acima da média da UE e bastante acima dos valores relativos à população sem deficiência.

Num país, a população ativa geradora de riqueza situa-se, maioritariamente, entre os 25 e os 45 anos. Ora, é precisamente nestas idades que surgem as doenças crónicas, de progressão imprevisível, potencialmente incapacitantes e invalidantes.

É imprescindível garantir às pessoas com incapacidade as condiciones laborais específicas para que possam continuar a ser elementos ativos da sociedade, cuja forca de trabalho pode e deve ser valorizada e utilizada. Ao diminuir períodos de incapacidade indesejáveis e aumentar tempos de prestação efetiva de serviço adiar-se-á o dia de reforma antecipada (e nem sempre por vontade própria).

Também o doente imunodeprimido necessita de adaptação das condições de trabalho, dependendo do grau de imunossupressão e da doença de base. Há permanentemente um risco acrescido de contrair qualquer doença infecciosa, e maior probabilidade de desenvolver complicações ou sequelas graves. Para estas pessoas, fora do contexto da pandemia, a única ferramenta legal de proteção é o atestado médico. Ora, em vários períodos, poderiam continuar a trabalhar, embora noutros moldes (a partir de casa, por exemplo, tal como aconteceu durante a pandemia da covid-19).

Resumindo, estes três grupos da petição são uma população especial, frágil, que carece de cuidados de saúde especiais e acrescidos, de forma contínua no tempo, sendo considerados básicos, imprescindíveis e inadiáveis. Há tempos de consultas extra de diversas especialidades médicas, tratamentos distintos, múltiplas idas aos hospitais, incluindo sessões nos hospitais de dia, tratamentos de fisioterapia, reabilitação, etc.

O nível de incapacidade da pessoa tem relação direta e proporcional com a progressão e o agravamento da doença, o que acarreta, inevitavelmente, uma diminuição progressiva da capacidade de trabalho. Esta diminuição é muito limitativa, devendo ser acompanhada por uma redução progressiva da carga laboral, sem qualquer tipo de prejuízo remuneratório, uma vez que este dado clínico não lhe é imputável.

E quem contrata estes trabalhadores não tem prejuízos? – perguntar-se-á.

A vivência de uma cultura organizacional dentro de uma empresa organização/Estado assegura um bom engagement dos profissionais e, por conseguinte, assegura a sustentabilidade económica. Cria-se um local de trabalho seguro, harmonioso, firme. Sempre que se criam valores, se geram ou se acrescem valores, todo o resultado é compensatório e satisfatório. Estes aspetos são cruciais para podermos ter equipas de topo, organizações de reconhecido valor e mérito, pois são as que terão melhor desempenho.

O diálogo cria pontes, as pessoas sentem-se respeitadas e tornam-se mais responsáveis, assumem compromissos, envolvem-se na missão da organização e, estando mais motivadas, tornam-se mais produtivas.

Ao aplicar uma política de inclusão, diversificação, motivação ética e interajuda, haverá menor absentismo laboral, menor rotatividade e menos acidentes de trabalho.

«Para competir na economia global, temos de atrair, desenvolver e reter os melhores talentos do mundo, entre a mais variada gama de pessoas, origens e perspetivas» – disseram Brancato e Patterson.

Da variedade resultam benefícios tanto para as pessoas como para a sociedade. Todos somos importantes, cada um de nós tem um valor único e um contributo válido para a sociedade.

Ao estar integrado socialmente, o trabalhador adquire maior autonomia e desenvolve competências que acarretam uma melhoria da qualidade de vida. Sente-se útil, capaz, válido, o que representa uma forte proteção ou amparo psicológico. E daí resulta uma blindagem contra ideias negativas que possam ocorrer em casos de reforma antecipada por invalidez de jovens trabalhadores, como a tentação-limite do suicídio.

É urgente mudar as mentalidades. O que implica a educação dos cidadãos com vista a eliminar muitos dos preconceitos enfadonhos e antigos, de forma a ser possível a inclusão destes grupos específicos e fragilizados pela doença.

Queremos uma sociedade justa, coesa, digna, respeitadora e equitativa, que consiga rentabilizar capacidades e talentos, transformando fragilidades em potencialidades.

A lei específica, inclusa e excecional no mercado de trabalho tem de ser definitivamente implementada, concretizada, respeitada, assumida, vivida e sentida.

Assinem a petição e passem a palavra e testemunho:

‘INCLUSÂO NO TRABALHO: DOENTES COM INCAPACIDADE, IMUNODEPRIMIDOS OU DEFICIENTES’.