França sabia que a comissão de inquérito a abusos sexuais dentro da Igreja Católica, entre 1950 e 2020, poderia ser um choque. Mas a estimativa de que 216 mil menores terão sido vítimas de abusos, revelada na terça-feira, mostra que o problema tinha uma escala avassaladora. E esse número poderá chegar aos 330 mil, se contarmos com abusos de membros leigos da Igreja.
Talvez mais grave ainda, a Igreja, enquanto instituição, mostrou uma “profunda, total, e mesmo cruel indiferença durante anos”, pelo menos até ao início deste século, verificou Jean-Marc Sauvé, vice-presidente do Conselho de Estado e responsável pelo relatório, pedido há três anos pelos bispos franceses, financiado com três milhões de euros, segundo o Figaro. “A Igreja Católica é, depois do círculo familiar e de amigos, o ambiente que tem a maior prevalência de violência sexual”, notava o documento.
Durante décadas, a Igreja não só escudou agressores de acusações judiciciais, como os manteve num ambiente onde estavam em constante contacto com potenciais vítimas, assumia o relatório. O facto de centenas de milhares de vítimas serem o resultado de apenas uns três mil pedófilos identificados só mostra a gravidade da situação.
São números “assustadores”, salientou Olivier Savignac, diretor da Parler et Revivre, uma associação de sobreveviventes, à Associated Press. “É devastador, por causa do racio entre 216 e três mil, é um agressor para 70 vítimas. Isso é assustador para a sociedade francesa, para a Igreja Católica”.
“Vocês são uma desgraça para a nossa humanidade”, resumiu François Devaux, fundador da La Parole Libéré, outra associação de vítimas, dirigindo-se aos sacerdotes na apresentação do relatório, citado pela France Press. “Neste inferno houve crimes abomináveis em massa. Mas ainda pior, houve uma traição à confiança, à moral, uma traição a crianças”.
Face ao escândalo, tanto os bispos franceses como o próprio papa Francisco acabaram a pedir perdão às vítimas. O sumo-pontífice sente “imensa dor”, assumiu o seu porta-voz, citado pela Associated Press, pedindo que as vítimas de abusos recebam de Deus “conforto e consolo para que, com justiça, o milagre da cura possa acontecer”.
O tema dos abusos sexuais de menores são debatidos há anos, chegando Francisco a convocar um encontro de bispos sobre o assunto, em 2019.