Aquela que era para ser uma viagem pelo país que daria a Gabby Petito milhares de histórias para contar quando chegasse a casa, acabou por se tornar a última aventura da vida da jovem norte-americana de 22 anos.
Desde 2019 que Gabby e o noivo, Brian Laundrie, viajavam pelo país juntos, com a rapariga a documentar todos os seus passos nas redes sociais. A sua mais recente e última aventura começou no dia dois de julho deste ano, quando o casal deixou Long Island para fazer uma road trip pelo país. Até dia 26 de agosto, tanto Gabby como Brian foram publicando várias fotografias nas suas redes sociais onde se mostravam aparentemente felizes.
No entanto, nem tudo aquilo que parece é, e as redes sociais voltaram a ter um papel fulcral na arte do engano. A 12 de agosto, o casal foi intercetado pela polícia de Moab, no Utah, após alguém ter feito uma denúncia de violência doméstica referente ao casal.
Esta testemunha terá visto Gabby a bater em Laundrie e depois a tentar subir pela janela da carrinha, como se Brian a tivesse «trancado» no exterior. Quando a autoridade chegou ao local, a jovem estava a «chorar descontroladamente». Segundo o relatório policial, durante todo o tempo da intervenção, Gabby nunca «parou de chorar e de respirar de maneira pesada, nem conseguiu dizer uma única frase sem ter limpar as lágrimas, assoar-se ou esfregar os joelhos com as mãos».
No entanto, apesar de todos estes sinais de que algo não estava bem, as autoridades acreditaram em Brian quando este disse que o desentendimento tinha sido provocado pela quantidade de tempo que estavam a passar juntos. Gabby, por outro lado, disse que sofria de «ansiedade severa» e que tinha ficado pior devido «às pequenas discussões» que tinha tido com Brian durante todo o dia. O namorado acrescentou que a jovem tinha ficado «maníaca» devido ao medo que sentia se Brian a deixasse sozinha no deserto – e foi nessa altura que o agrediu.
No relatório da autoridade lê-se então que os dois estavam «apaixonados e noivos» sendo que não desejavam que fosse apresentada nenhuma queixa. A polícia levou, contudo, o rapaz para um hotel onde este pudesse passar a noite e deixou Gabby na caravana para «esfriar a cabeça». O incidente acabou por ficar reportado como um «esgotamento mental» e não como um caso de violência doméstica.
Cerca de três semanas depois, a 1 de setembro, Brian Laundrie voltou a casa, onde vivia com os pais e com Gabby, em North Port, na Flórida, contudo, fê-lo sozinho. No dia 11, os pais da jovem reportaram às autoridades o seu desaparecimento, sendo que os investigadores de North Port encontraram a carrinha do casal no estacionamento da casa de Brian. Por ter sido a última pessoa a ver Gabby com vida e também pelo facto de ser seu namorado, Brian Laundrie foi considerada uma pessoa de interesse no caso.
A família Petito afirma que falou com Gabby pela última vez no dia 24 ou 25 de agosto, quando ela lhes ligou por videochamada – apesar de, poucos dias depois, terem recebido uma mensagem de texto proveniente do número da jovem, que não acreditam ter sido enviada pela mesma.
A 19 de setembro foram encontrados os restos mortais de Gabby, e, dois dias depois, soube-se que esta morte se tratava na verdade de um homicídio, apesar de ainda não existir uma causa concreta, estando Brian Laundrie atualmente desaparecido.
Autocaravanismo em Portugal
Apesar de o autocaravanismo ser associado, na maioria das vezes, à liberdade e à natureza, a verdade é que também tem os seus perigos.
A 30 de setembro, um auto caravanista foi sequestrado, espancado o roubado no Porto. Enquanto dormia, dois assaltantes terão entrado no veículo e «amarrado o homem na parte traseira daquela viatura», lê-se num comunicado policial.
O incidente ocorreu pelas 7h00 e após estarem na posse da autocaravana, os homens seguiram para a zona de Santo Tirso e procederam ao levantamento de dinheiro em várias caixas multibanco, tendo ainda feito compras em vários estabelecimentos comerciais, com um cartão bancário, «cujo código PIN foi fornecido pelo ofendido, após ser sujeito a violentas sevícias».
Durante a prática dos crime, que duraram aproximadamente cinco horas, a vítima, afirma a polícia, esteve «sempre manietada de braços e pernas, no interior da autocaravana, até que, aproveitando a desatenção de um dos sequestradores, quando estavam a fazer compras, conseguiu libertar-se e fugir».
Semanas antes, um homem de 37 anos foi detido em Campo Maior por assaltar uma autocaravana. O homem terá aproveitado a ausência dos proprietários para roubar um computador portátil, que acabou entretanto por ser devolvido.
São também várias as polémicas que têm surgido ultimamente relativas ao Artigo 50º do Código da Estrada, especialmente depois de, em janeiro deste ano, se ter tornado proibida «a pernoita e o aparcamento de autocaravanas ou similares fora dos locais expressamente autorizados para o efeito».
No entanto, esses locais – as ASA (Áreas de Serviço para Autocaravanas) – não são fáceis de encontrar, especialmente para os viajantes que se encontram na zona centro. Existem pouco menos de cem ASA em Portugal, sendo que dessas, apenas sete se encontram na zona Centro – em Arronches, Estremoz, Sesimbra, Alcácer do Sal, Milfontes, Odemira e Minas de São Domingos.
Maria Vieira, musicoterapeuta de 26 anos, conta à LUZ que, apesar de fazer viagens de autocaravana desde os 20 anos, ainda não se atreveu a ir sozinha, sendo que, algo que poderia mudar isso, seria o facto de se criarem mais ASA pelo país.
A jovem começou a andar de autocaravana em Espanha, enquanto frequentava o programa Erasmus, mas assim que regressou a Portugal, em 2017, ficou imediatamente «com vontade de voltar a viajar» e pensou em comprar a sua carrinha. Isso só aconteceu no último verão e, apesar de agora ter a possibilidade de sentir «a liberdade» que as viagens de autocaravana lhe davam, admite que já não é capaz de fazer aquilo que fazia antes, especialmente devido aos relatos que tem ouvido.
«Eu não media os risco», conta a jovem à LUZ, explicando que era frequente apanhar boleias de estranhos e que atualmente tem «cada vez mais receio».
Maria relembrou à LUZ o caso que aconteceu em novembro do ano passado, em que, vários cidadãos fizeram incursões noturnas pelas praias do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina com o objetivo de expulsar caravanistas que ali se encontravam a praticar campismo selvagem. O grupo de cidadãos gravou inclusive um vídeo em que se mostrava a acordar os campistas e a fazê-los sair do local onde estavam a pernoitar.
Além da alteração à lei, que se efetuou em janeiro, é importante lembrar que, em Portugal, era já proibido pernoitar em zonas protegidas e de arribas, estando por isso o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina abarcado nesta medida.
No entanto, tendo em conta as poucas ASA existentes no país e o preço cobrado por muitos parques de campismo, os caravanistas ficam assim sujeitos a receber uma multa, até por pararem para dormir, algo que não acontece com outros tipos de veículo.
Maria, que este verão viajou acompanhada, adianta que gostava de poder viajar sozinha, «ir dormir uma noite aqui, ou acordar numa praia acolá», porém, não se sente à vontade para o fazer. E mesmo com companhia, afirma que, como medida de segurança, tem de «escolher o sítio para dormir ainda durante o dia, para poder perceber com clareza como é todo o ambiente à volta». Este verão, por exemplo, deparou-se com uma experiência em que não teve oportunidade de fazer essa verificação e, por isso, não conseguiu dormir toda a noite, com receio que algo pudesse acontecer.
Apesar de já ter ouvidos relatos de pessoas que sofreram tentativas de assaltos enquanto estavam nas suas autocaravanas, Maria teme também pelo que já viveu a andar de carro. «Uma vez, quando estava parada num semáforo em Lisboa, tentaram abrir-me a porta do carro e só não conseguiram porque estava trancada», conta, sendo essa lembrança um dos entraves a ir viajar sozinha.
Tal como Maria, também Frederico evita ficar em locais que não «à luz do dia». Essa é uma das «técnicas» que usa para tentar garantir a sua segurança, mesmo referindo que «garantir totalmente é impossível». O jovem de 29 anos refere ainda que tenta dormir em zonas «com algum movimento e luminosidade», posicionando «a carrinha de forma a que ninguém tenha sequer «ideias de tentar alguma coisa», mas isso nem sempre é possível, uma vez que também dorme em zonas «menos urbanas». Nesses casos, Frederico opta por procurar «ficar perto de algum carro – que não pareça abandonado – ou de uma autocaravana – no melhor dos casos».
O jovem, que remodelou uma carrinha Ford Transit de modo a que esta passasse a ser a sua casa com rodas, sublinha que todas as medidas que toma já são «praticamente intuitivas» e que já chegou ao ponto de estacionar o veículo de «maneira estratégica» para que caso se sentisse «desconfortável pudesse mudar de lugar».
Esse desconforto foi, contudo, sentido apenas um par de vezes e, nesses casos, Frederico optou simplesmente por pernoitar num sítio em que se sentisse mais seguro. Um dos fatores que pode ter ajudado Frederico a sentir-se mais seguro foi o facto de o jovem ter instalado na sua carrinha um sistema de alarme. O mesmo é acionado sempre que «exista uma diferença de pressão, ou seja, se alguém partir um vidro ou tentar abrir uma porta… É uma segurança extra».
Cadela roubada
Apesar de se tomar como certo que a noite é a altura predileta dos assaltantes, por vezes as coisas não são assim tão lineares. Paula Nogueira é emigrante no Canadá há 42 anos e conta à LUZ que, em setembro do ano passado, veio passar férias a Portugal «com o objetivo de estrear a sua autocaravana numa viagem que iria durar cinco meses».
Nas primeiras semanas tudo correu bem, tendo a emigrante lusa estado a desfrutar de algum tempo no Algarve e subido a Costa Vicentina. O pesadelo começou quando chegou a Setúbal.
Por estar fora do país há tanto tempo, Paula afirma que já não se lembrava de como era a zona e que, por isso, decidiu ir conhecer a Serra da Arrábida. A 16 de outubro aparcou a sua autocaravana no Ecoparque do Outão, tendo, no dia seguinte, optado por ir «passear para zona do Portinho da Arrábida».
Nesse dia, Paula estacionou o veículo «perto da Casa do Gaiato», num local que considerou seguro, uma vez que «havia muita gente à volta e era uma zona com muito movimento». Depois de «verificar que estava tudo bem e de ter a certeza que as portas estavam bem trancadas», a mulher foi almoçar, não tendo «demorado mais do que duas horas» nem se tendo «afastado mais do que 300 metros».
No entanto, após três semanas a viajar por Portugal, aconteceu a Paula algo completamente inesperado: Quando chegou à autocaravana «tinham partido o vidro do lado do condutor e levaram tudo», conta à LUZ.
«Levaram os meus documentos canadianos e o pior de tudo foi terem levado a Belle, a minha cadelinha», lamenta a mulher, acrescentando que apesar de ter pedido ajuda «ninguém apareceu para ajudar».
Depois de ter ligado para as autoridades a reportar o que havia acontecido, Paula foi encaminhada para um posto da GNR, onde o marido foi atendido «por uma menina que lhe disse que devia ter vergonha de ter deixado a cadela no carro e que podia ser preso por abandono animal», sendo que Paula não compreende o porquê, uma vez que acredita que a sua «autocaravana é melhor do que a casa de muita gente».
Apesar de já ter passado quase um ano, a emigrante ainda recorda o dia 17 de outubro como «um dos dias mais tristes» da sua vida, sublinhando que não consegue tirar da cabeça a imagem de «entrar na autocaravana e ver tudo de cabeça para baixo, tudo tirado dos armários e tudo no meio do chão».
Lá fora
Apesar do caso de Gabby Petito ser o mais falado ultimamente e talvez aquele cujas consequências tenham sido mais graves, a verdade é que pernoitar no estrangeiro também nem sempre se resume a olhar simplesmente para as estrelas.
Ana Rita Sousa é auto caravanista há 20 anos e manteve-se quase sempre afastada de parques de campismo. Na sua jornada foi assaltada duas vezes e nunca em Portugal. A primeira foi há seis anos, em Barcelona, Espanha, e a segunda há dois em Roma, Itália.
Em 2015, enquanto estava na capital da Catalunha, Ana Rita decidiu aparcar a sua autocaravana num «parque de estacionamento normal» e ir fazer uma tour pela cidade. Quando voltou reparou que tinha «um furinho no canhão da porta do condutor» e que tinham sido «levadas todas as malas, que ainda não estavam desfeitas, uma vez que era o primeiro dia».
Em 2019, a sorte voltou a tramá-la e nem o facto de estar estacionada junto ao Vaticano foi suficiente para proporcionar um qualquer milagre. Depois de passar o dia a passear, a jovem deparou-se com «mais do mesmo método». Neste caso, contudo, o único equipamento furtado foi um telemóvel velho, apesar de se ter deparado com «tudo remexido, incluindo os caixotes do lixo». Apesar de se ter apercebido que aquela era «uma zona de assaltos, uma vez que havia vidros no chão», Ana Rita optou por estacionar ali, uma vez que era um lugar visível «e a 50 metros de uma esquadra da polícia».
Quando questionada sobre se acha que o mesmo lhe aconteceria em Portugal, a caravanista afirma que não mas apenas porque «assaltam mais estrangeiros, tal como em Espanha não assaltam tanto os espanhóis». Para comprovar a sua teoria, Ana Rita, explica que, quando em estava em Barcelona foram assaltadas «umas 30 pessoas e nenhuma delas era espanhola», assim como, quando estava em Roma, «foram sete caravanas assaltadas» na rua onde estava aparcada, sendo que só as que eram italianas conseguiram sair ilesas.