É um tema polémico, controverso, com opiniões divididas, que não é fácil abordar mas é importante analisar. Já vem de longe esta discussão e está condenada a arrastar-se pelo tempo fora, de geração em geração, por não se conseguir chegar a nenhuma conclusão definitiva.
Na área da saúde, há os que defendem obcecadamente o setor público, agarrando-se com quantas forças têm à conquista do SNS, ignorando as falhas e as limitações que, no momento presente, se vão tornando cada vez mais evidentes. Do outro lado, temos os que pensam precisamente o contrário, isto é, que a qualidade e a excelência estão no setor privado, o qual se vai aproveitando das insuficiências do serviço público para se expandir e afirmar como alternativa válida para gerir a saúde dos portugueses.
Com o decorrer dos tempos, foram aparecendo os grandes grupos económicos com os seus hospitais privados, que criaram raízes e são hoje, segundo alguns, a única solução em termos de saúde.
O debate continua e até se tem acentuado, pois já se fala por aí que, mais cedo ou mais tarde, os médicos terão de escolher entre continuar no Estado ou passar para o setor privado – já que manter os dois sistemas, como tem acontecido até aqui, é problemático.
Contudo, se o assunto não tem avançado e evoluído nesse sentido, é, quanto a mim, por uma questão (inteligente) de prudência, para não falar mesmo de receio. É que existia o risco de uma debandada geral do público para o privado, com o SNS a perder a esmagadora maioria dos seus elementos – hipótese mais do que provável, pela tendência verificada nos últimos anos.
A opinião que tenho sobre este tema é muito clara, e foi a que sempre defendi quando me encontrava em funções: é desejável e vantajoso para ambas as partes que o médico se mantenha num só local de trabalho, e caberá a cada profissional decidir em função daquilo que lhe é apresentado.
Sucede que, no momento atual, para o Estado se tornar ‘competitivo’ teria de mudar radicalmente as regras do jogo e não se apresentar na ‘competição’ como uma equipa de segunda ou terceira categoria. Se o não fizer, ficará sempre a perder, sujeitando-se, inclusive, a uma pesada derrota.
Tenho pena de o reconhecer, pois sou um dos que defendem o SNS, mas enquanto não houver a tão falada reestruturação é escusado pensar em fazer opções. E acho que vale a pena começar por algum lado, até pôr fim à ‘promiscuidade’ crescente dos utentes que, optando pelo setor privado, recorrem posteriormente ao serviço público para lhes serem transcritos os exames complementares solicitados no privado!
Esta realidade, que eu enfrentei durante muito tempo – apesar de ser ilegal, difícil de gerir e mal aceite pelos doentes quando recusada –, é a prova de que nem o privado é assim tão bom, nem o público é assim tão mau. Por isso, enquanto não houver a dita separação, os dois sistemas vão coexistir e estão condenados a ‘entender-se’, custe o que custar, sabe Deus por quanto tempo mais.
A minha experiência diz-me que o Estado deve rever rapidamente o seu procedimento, pois tem vindo aos poucos a perder terreno. Convém ter em conta que muitos dos convencionados já não aceitam trabalhar para o serviço público, e muitos exames complementares ficam a descoberto se os utentes não tiverem um seguro de saúde ao qual recorrer, o que é muito preocupante.
Deixo alguns exemplos que me parecem prioritários: vencimentos francamente maus, instalações deficientes, excessiva burocracia, software antiquado, regras em vigor ultrapassadas, obrigatoriedade do cumprimento de orientações sem o mínimo interesse, desarticulação entre hospitais e centros de saúde.
Porém, não acredito que o serviço público se mostre sempre derrotado e não tenha soluções.
Vejamos: não foi o Estado capaz de resistir à covid-19? Não foi o Estado capaz de organizar e bem a vacinação? Não está o Estado a dar os primeiros passos na área dos Cuidados Paliativos que merecem, com toda a justiça, o nosso elogio? Por que razão não quer avançar para outras reformas estruturais? Por falta de verbas? É um falso problema.
Há dinheiro na função pública, o que está é mal distribuído.
Vamos salvar o SNS. O serviço público não pode continuar a ser o ‘elo mais fraco’ e o ‘parente pobre do sistema’.
Todos nós desejamos um serviço forte, de qualidade e competitivo. Quando isso acontecer, a ‘rivalidade público-privado’ não fará mais sentido. Tenhamos esperança. Eu quero acreditar.