A segunda temporada de Succession, a épica série da HBO sobre a família Logan, dona de um dos maiores conglomerados de media dos Estados Unidos, termina com um sorriso.
Um sorriso enigmático. Apesar de ter acabado de ser traído pelo seu filho, Logan (Brian Cox), sorria porque o descendente finalmente tinha encontrado no seu íntimo a coragem para lhe fazer frente e tornar-se um homem com escrúpulos, ao contrário do progenitor… ou será que é porque já sabe que contra-ataque utilizar para responder a Ken, que pretende suceder ao seu pai no controlo da Waystar RoyCo?
Poderemos nunca vir a saber o verdadeiro motivo por trás do sorriso de Logan, mas certamente, no próximo domingo, na plataforma de streaming da HBO, quando estrear a terceira temporada de Succession, poderemos acompanhar as repercussões da decisão de Ken.
Nos últimos anos, poucas séries foram tão aclamadas como esta. Apesar da curta existência, Succession já arrebanhou nove prémios Emmy, incluindo de melhor série dramática, de melhor ator, para Strong, e de melhor direção e argumento. No entanto, o seu maior trunfo é a capacidade para colar os espetadores ao ecrã.
Apesar de estarmos perante uma série repleta de pessoas brancas e ricas que fariam qualquer coisa para subir na hierarquia do conglomerado de media, incluindo esmagar os próprios familiares, não conseguimos desviar os olhares dos seus movimentos e chegamos inclusive a sentir compaixão por estes interesseiros movidos a dinheiro.
Onde está então o apelo de Succession? O que é que a série ofereceu para ter criado uma forte legião de fãs que sabem de cor todos os insultos que Logan Roy já proferiu?
A comédia negra disfarçada de drama prestigiado Não é certamente a primeira vez que vemos anti-heróis na televisão – algumas das melhores séries que surgiram este século têm um como protagonista, sejam elas Sopranos, Breaking Bad ou Mad Men, onde, apesar de vermos personagens como Tony Soprano, a comandar uma operação criminal através da máfia, ou Walter White, a criar metanfetaminas e a inundar cidades com esta droga, não deixamos de nos sentir atraídos por este mundo e pela curiosa personalidade e seus dramas.
Succession é-nos apresentado como um drama, mas, na realidade, muitos especialistas corrigiriam esta catalogação, argumentando que se trata de uma comédia. Uma comédia trágica, mas ainda assim uma comédia.
“Esta série sempre foi uma comédia negra mascarada de drama prestigiado”, escreveu LaToya Ferguson do IndieWire. “O mais recente queridinho da crítica tem mais em comum com séries como Fleabag ou Flowers do que com Ozark. No entanto, este sentimento acontece porque se trata de uma comédia negra britânica a fazer-se passar por uma série aclamada americana”, argumenta a crítica.
Se o estilo de comédia se assemelha à comédia britânica, bem, deve ser porque o escritor e criador da série, Jesse Armstrong, é britânico, mais especificamente inglês, tendo sido inclusive argumentista de filmes como Four Lions ou In the Loop, onde política se misturava com a comédia, e em séries como The Peep Show.
Um dos pontos que marcaram a origem da série, segundo Ferguson, surgiu da vontade do argumentista adaptar o seu filme, Bad Sugar, sobre uma família tão disfuncional quanto rica, para o público norte-americano. Mesmo que esta ideia nunca tenha ido além de um episódio-piloto, o “esqueleto” para Succession estava estabelecido.
Depois deste projeto falhado, Armstrong pensou em criar um filme sobre a família Murdoch, liderada por Rupert Murdoch, proprietário da News Corporation, um dos maiores grupos de meios de comunicação do mundo, que engloba a Fox News, o Wall Street Journal, The Sun, The Times e muitos outros, com uma grande influência na política mundial.
Esta era uma boa ideia, mas não ainda a ideia vencedora. Armstrong decidiu que pretendia abrir mais o leque do universo que queria explorar, queria também que Wall Street fosse um dos pontos de análise da série, portanto, decidiu também inspirar-se na família Redstone, proprietária da National Amusements, que engloba a CBS, MTV, Paramount Pictures ou a Miramax, e da família Sulzbergers, proprietários do New York Times.
Depois da ideia ter sido aprovada pela HBO, Armstrong rodeou-se de alguns dos maiores talentos da escrita e do mundo da comédia.
A equipa de escritores é composta por argumentistas que já tinham colaborado com Armstrong em In the Loop e por outros tantos que tinham ajudado a escrever Veep, série de comédia protagonizada por Julia Louis-Dreyfus (que conhecemos como Elaine em Seinfeld), em que esta representa o papel de vice-Presidente dos Estados Unidos. Entre os nove diretores-executivos de Succession estão incluídos Will Ferrell, ator em filmes de comédia como Step Brothers, The Anchorman ou The Other Guys, e o produtor e realizador Adam McKay, responsável por filmes como The Big Short, sobre a crise económica de 2008, ou Vice, sobre o ex vice-Presidente Dick Cheney.
Esta equipa é a responsável pela criação da família Roy, que conta ainda com os outros três irmãos, Shiv (Sarah Snook), que, apesar de no início da série começar como uma conselheira política, é uma das favoritas a suceder a Logan como CEO da Waystar RoyCo, Roman (Kieran Culkin, sim, um dos irmãos de Macaulay, o miúdo do sozinho em casa), o problemático e mais jovem da família, cuja imaturidade o impede de suceder na empresa, e Connor (Alan Ruck), o ingénuo irmão mais velho e único que não se encontra envolvido no conglomerado, que na segunda temporada tentou entrar na corrida para se tornar Presidente dos Estados Unidos. Depois há todas as outras interessantes personagens que flutuam em torno da órbita da família, como o Primo Greg (Nicholas Braun), Gerri (J. Smith-Cameron) ou Tom (Matthew Macfadyen).
Muita da força dramática surge da formação do casting – grande parte dos atores tem formação em teatro – e na força e engenho em que cada personagem trata cruelmente o seu próximo para, não só sair impune dos seus problemas, como também para conseguir obter mais poder.
Por exemplo, no final da segunda temporada, Logan, um personagem que podia ser uma mistura de Rupert Murdoch com o Don Corleone, do Padrinho, nas suas próprias palavras, precisa de um “sacrifício de sangue”, alguém que assuma as culpas por uma série de “problemas” (vamos usar esta expressão para não estragar a experiência a quem ainda não viu) que ocorreram nos cruzeiros da empresa da família.
Logan pede ao seu filho Ken para assumir a culpa destes “problemas” e para ir para a prisão em seu nome.
Apesar de Ken aceitar este papel, acaba por trair o seu pai e a família entra numa total guerra civil, deixando os espetadores com água na boca para saber qual vai ser a próxima artimanha que a família Roy esconde debaixo da manga.
Diversos sociólogos entrevistados pelo The Hollywood Reporter explicaram que, apesar das personagens serem “desagradáveis”, muito do sucesso junto dos fãs resulta da forma profunda como estas estão construídas e pela qualidade e humor da narrativa, comparando este trabalho com obras do passado, como o Rei Lear de Shakespeare, Great Gatsby de F. Scott Fitzgerald ou a série Dallas.
“É possível afirmar que Succession pega na ansiedade do século XXI, no disfuncionamento familiar em ajustar-se às tradições e ajusta esta realidade ao contexto pos-2008 com a desregulamentação da economia e com Wall Street”, disse o professor de Estudos dos Meia e Informação, Tom Streeter.
Já Laura Grindstaff argumenta que existe algo mais, afirmando que a série pode servir como uma forma dos espectadores processarem as suas emoções de frustração ou impotência para com os mais poderosos.
“Neste caso, a cultura narrativa diz-nos que a riqueza corrompe as pessoas”, disse ao The Hollywood Reporter. “Portanto, quando indivíduos extremamente ricos ou as suas famílias sofrem como resultado do seu compasso moral defeituoso, isso pode abrir um espaço para as audiências se identificarem e perdoá-los ou para absolverem a sua corrupção porque o preço já foi pago”.