O “pai” da internet em Portugal deu na quarta-feira a sua última lição como professor catedrático de sistemas informáticos distribuídos e redes de computadores no Departamento de Informática da NOVA School of Science and Technology, no mesmo dia em que completou 70 anos — a atual idade de jubilação. O Grande Auditório da FCT NOVA encheu-se de alunos, colegas e até de investigadores de outras faculdades para assistir à cerimónia de jubilação de José Augusto Legatheaux Martins.
Depois dos habituais discursos de homenagem, o professor deu início à lição “Internet: impacto, virtudes e limitações de uma arquitetura de rede com mais de 40 anos” e o i esteve presente para lhe trazer os apontamentos da carreira deste investigador que impulsionou o primeiro servidor de acesso à internet (ISP – Internet Service Provider na sigla em inglês) português, em 1996.
Professor desde a década de 80, escolheu lecionar por, na altura, só ser possível seguir investigação por esse caminho. No ano de 1979 formou-se em Engenharia Informática pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Antes disso, enquanto frequentava o Liceu D. João de Castro, já dava provas de um futuro promissor, tendo projetado e construído um “Computador Digital Didáctico” que foi distinguido com a sua presença na “Jougend Forscht” — competição alemã de ciência para a juventude — de 1969. Este trabalho obteve igualmente o 1° Prémio Nacional, assim como um Certificado de Mérito Internacional (na Holanda), no “Concurso para Jovens Cientistas e Inventores”, organizado pela PHILIPS, no mesmo ano.
Já de 1983 a 1987, foi investigador no INRIA em França, na delegação central em Paris, onde trabalhou no desenvolvimento dos primórdios dos sistemas de operação distribuídos.
No final de 1986 obteve o seu doutoramento em Sistemas Distribuídos pela Universidade de Rennes, em França.E de 1988 a 1992 foi professor na Universidade de Lisboa e, a partir daí, na FCT NOVA.
Entre 1990 a 1994, liderou o projeto nacional que estabeleceu o ramo português da Internet e liderou o PUUG – Grupo Português de Usuários Unix e a filial portuguesa da EUnet, organizações sem fins lucrativos que promoviam os Sistemas Abertos, a rede TCP/IP e a adoção da Internet.
A sua investigação anterior estava relacionada com sistemas de operação distribuídos, replicação de dados distribuídos, sistemas móveis e sistemas CSCW, que é uma área científica interdisciplinar que estuda a forma como o trabalho em grupo pode ser auxiliado por tecnologias de informação e comunicação.
Atualmente, os seus principais interesses de investigação estão relacionados com o encaminhamento e gestão de redes de computadores e a evolução futura da internet.
No anos em que se assinalam os 30 anos da ligação de Portugal à internet, Legatheaux, que é também investigador no NOVA LINCS, diz-se “apaixonado pela internet”. “É a realização tecnológica humana de maior complexidade de sempre”, declarou na abertura da sua lição, que durou perto de hora e meia.
Contextualizando, a internet nasceu a partir de um projeto de uma agência norte-americana, a DARPA, para usar a tecnologia de comutação de pacotes de dados para ligar os computadores de várias universidades americanas, com o objetivo de permitir a partilha de recursos computacionais entre investigadores.
Contudo é uma rede sem barreiras à entrada: “É um espaço livre para os malfeitores, foi concebida sem a faceta da segurança. Mas a sua evolução não pode depender da resolução dos problemas de segurança”, defendeu.
Entre os problemas que os informáticos não sabem resolver, destaca a proteção dos dispositivos que estejam ligados à rede e a mitigação dos ataques de paralisação dos serviços na internet.
Além disso, o professor Legatheaux salientou ainda que “a segurança, funcionamento e estabilidade da internet está muito dependente de uma ou duas dúzias de empresas”, ou seja, quando uma falha tem um efeito dominó, dando o exemplo do mais recente “apagão” do Facebook, que esteve em baixo durante mais de seis horas, no início deste mês, e que levou de arrasto o WhatsApp e o Instagram, também detidas por Mark Zuckerberg.
De acordo com o investigador, em termos de regulação, as questões mais prementes são o uso da internet para atividade ilegais, as consequências para a propriedade intelectual, o uso da inteligencia artificial para o controlo social, e a possibilidade de uma ciber-guerra.
Neste campo da regulação a Europa apresenta-se como campeã. Mas quem detém a soberania digital, diz, são sem dúvida os Estados Unidos e a China. Exemplo disso são as valorizações estratosféricas nas bolsas de valores, em que 5 gigantes da internet estão sempre presentes no topo: Apple, Microsoft, Alphabet (Google), Amazon, Facebook.
“Na sociedade do conhecimento o controlo da informação e da decisão é a sede do poder”, lia-se no último slide do PowerPoint que o professor foi passando durante a aula. No final, foi aplaudido de pé durante cerca de um minuto.
José Augusto Legatheaux Martins foi o primeiro elemento do departamento de Informática da FCT NOVA a ser jubilado.