Já nos aconteceu a todos ficarmos impedidos, por uma falha de luz ou outro problema qualquer, não conseguir ver um qualquer conteúdo na televisão. Entre um ‘pronto, acontece, vejo depois’ e o desespero absoluto por não ficar a saber se Jacinto e Ana Rita ficam juntos, as consequências não são graves. Já o impacto que o Facebook, e as restantes aplicações da empresa, WhatsApp e Instagram, causaram quando foram abaixo durante mais de seis horas teve consequências muito mais graves.
Há um site onde nenhum outro quer ter destaque, o Down Detector, que deteta os sites publicados a que não conseguimos aceder, vulgo, os sites que estão ‘em baixo’. O Facebook destacou-se nesta lista no início da semana. Causa: problemas técnicos, na sequência de um processo de atualização. Um motivo que serve para justificar quase tudo o que possa acontecer com uma plataforma tecnológica.
Rapidamente foram disseminadas notícias e opiniões a dissecarem e especularem sobre o tema – há sempre palco e tempo para discutir uma boa teoria da conspiração. O facto de estarem a ser revelados alguns segredos do Facebook por uma ex-funcionária, Frances Haugen, que alerta para o facto de existirem conflitos de interesses entre o que é melhor para o público e o que é melhor para o Facebook, deu ainda mais visibilidade ao tema. Rapidamente se apuraram as perdas de Mark Zuckerberg: perdeu, um número em torno dos seis biliões. Não deve trazer grande impacto à sua vida quotidiana, mais bilião, menos bilião, quem é que ainda conta?
Mas as marcas ficaram a perder, e muito! Estimam-se prejuízos na ordem de um bilião, um valor menor do que é atribuído ao dono das plataformas, porém com um impacto muito grande na vida de muita gente.
Há negócios que dependem quase exclusivamente do ecossistema de aplicações do Facebook. Seis horas de interrupção significa seis horas em que o negócio não existe, não funciona, e não há reação possível em tão curto espaço de tempo. O custo de oportunidade pode não ser fácil de absorver. Mas também foram só seis horas, qualquer negócio deve ter capacidade de suportar.
O maior impacto desta falha está no médio prazo e não atinge o Facebook. Com a tendência das marcas uniformizarem as suas experiências em todos os pontos de contacto, perdemos também alguma capacidade de os diferenciar. Independentemente da validade das justificações, nomeadamente atribuições a causas externas, qualquer falha num momento de relação com uma marca é culpa da marca. Afeta a sua imagem e reputação, que levam anos a construir e, se calhar apenas seis horas a perder. O principal problema do shutdown para os principais clientes da plataforma, os anunciantes, não são aquelas seis horas mas os seis meses seguintes.
As marcas não têm muita capacidade de evitar este fenómeno. A solução mais imediata, abdicar do Facebook não é possível. Hoje em dia, não estar nesse ecossistema é abdicar da oportunidade de contactar com aquela que é, potencialmente, a maior base de clientes do mundo. Não há como não estar e, consequentemente, aceitar as regras do jogo determinadas pela plataforma.
Os monopólios raramente são bons, mas o caso do Facebook é particularmente complexo, porém notável. Em vez de se adaptar às circunstâncias de mercado e às mudanças comportamentais das pessoas, pedras basilares de qualquer estratégia de comunicação, a plataforma obriga a que todos os que lá querem estar se comportem da forma que lhe é mais conveniente. As marcas têm de desenvolver os negócios como o Facebook acha que é melhor. Na informação consegue ser ainda mais grave, tornando cada vez mais evidente o interesse do Facebook em orientar as atitudes, opiniões e interesses das pessoas em determinado sentido.
A hegemonia do Facebook é difícil de combater, se calhar até mesmo impossível nos dias de hoje. O controlo da plataforma dificilmente acontecerá por via legal e, neste caso, o apelo do fruto proibido poderá revelar-se contraproducente. Mas os grandes monopólios da economia digital, sobretudo Facebook e Google, dependem praticamente em exclusivo das receitas de publicidade. Raros são os negócios hoje em dia que, independentemente da dimensão, não façam esforços de marketing nestas plataformas, sujeitando-se às suas regras, por muito pouco sentido que façam.
Por enquanto a força está do lado das plataformas e não é expectável que o cenário mude significativamente num curto espaço de tempo. Pelo menos até ao dia em que as marcas, unidas ou dispersas, usem a sua força para provocar uma mudança. Sem elas, nenhuma destas plataformas pode existir. «Almost no one outside of facebook knows what happens inside Facebook» diz a denunciante das más práticas. Esta falha serviu para nos apercebermos da vulnerabilidade do ecossistema. Mas, também, que há horas bem mais longas do que outras.
Senior Manager da Accenture Interactive