Com a pressão do eleitorado a aumentar um pouco por todo o globo, os líderes políticos preparam-se para se reunir já este domingo, na COP26, em Glasgow. Os Estados Unidos anunciaram que estão de novo em jogo, sob a presidência de Joe Biden, prometendo liderar o combate às alterações climáticas, mas o caos no Congresso, com todas as medidas nesse sentido bloqueadas, ameaça a credibilidade de Washington. A China tenta vencer o seu vício em carvão, mas cada vez precisa mais dele, enquanto a Índia continua a crescer, exigindo que o fardo da transição verde seja mais partilhado pelos países desenvolvidos, que beneficiaram durante séculos das energias fósseis. E, se os países europeus se comprometem com metas climáticas cada vez mais ambiciosas, não estão com grande disposição de abrir a carteira, de maneira a que o processo ocorra em países em desenvolvimento.
O certo é que as populações estão cada vez do lado do clima. Uma sondagem da Global Scan, em parceria com a BBC, conduzida em 31 países, mostrou que 56% querem que o seu Governo tenha um papel de liderança do combate às alterações climáticas, impondo metas ambiciosas, e só uns 36% apoiam medidas graduais, um aumento substancial em relação a sondagens anteriores ao Acordo de Paris, de 2015. Talvez o facto de 36% terem sentido padrões anómalos nos últimos anos tenha contribuído para essa mudança. Portugal, que tem sido flagelado por épocas de incêndios cada vez longas e intensas, está entre os países mais entusiasmados com o combate às alterações climáticas, com 71% dos inquiridos a exigirem medidas mais sérias nesse sentido.
De facto, a questão dos incêndios está a tornar-se cada vez mais relevante à escala global. A situação é tão grave que dez das florestas mais protegidas – incluindo o Parque Yosemite, nos EUA, conhecido pelas suas sequoias milenares, o Grand Canyon, as Montanhas Barberton Makhonjwa, na África do Sul, nos arredores do qual se pensa ter nascido a humanidade, ou o Parque Kinabalu, lar de boa parte da biodiversidade incrível da Malásia – até se tornaram emissoras de dióxido de carbono ao longo dos últimos vinte anos, não pontos de fixação, mostrou um relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que está encarregue de proteger estes territórios, revelado esta quinta-feira.
No total, a área de floresta protegida pela UNESCO tem mais de duas vezes a área da Alemanha, absorvendo 190 milhões de toneladas de carbono da atmosfera por ano – mas conseguindo lançar ainda mais, degradando-se devido aos incêndios e à desflorestação. “O que está a acontecer ao nível do Património da Humanidade é só a ponta do icebergue”, alertou Tales Carvalho Resende, um dos investigadores responsáveis pelo relatório, citado pelo Guardian. “Mesmo aquelas que é suposto serem as áreas melhores e mais protegidas, estão de momento sob pressão das alterações climáticas”.
Caos e credibilidade Se vemos que a população tem uma noção cada vez maior de que as alterações climáticas são uma emergência, assistir às discussões num Congresso americano paralisado deixa uma sensação de impotência enorme. Os democratas continuam sem conseguir entender-se, vergando as esperanças de Biden se apresentar em Glasgow com a promessa de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa entre 50 e 52% até 2030.
No centro do imbróglio estão os senadores Joe Manchin e Kyrsten Sinema, que se tornaram essenciais para Biden aprovar o que quer que seja, com o Senado dividido ao meio, tendo de contar com o desempate da vice-presidente Kamala Harris. Estes democratas centristas recusam apoiar o pacote de investimento de 3,5 biliões de dólares (três biliões de euros) em infraestrutura, educação, saúde e transição energética defendido pelos resto do partido. E Manchin não podia opor-se mais ao desinvestimento em energias fósseis – o senador ganhou pessoalmente meio milhão de euros no setor só em 2020, sendo que empresas energéticas contribuíram mais para as campanhas eleitorais de Manchin do que para as de qualquer outro senador.
É um bloqueio que complica muito a vida de Biden. “Ser capaz de concretizar promessas é crítico para manter a credibilidade no palco global, e para influenciar outros países a tomarem uma ação igualmente ambiciosa”, considerou Tom Damassa, dirigente para a ação climática na Oxfam, citado pela Reuters.
Ainda por cima numa altura em que a disputa entre Washington e Pequim virou uma mistura entre telenovela e Guerra Fria. Todos querem saber se estes gigantes conseguirão cooperar de forma construtiva no que toca ao clima. Aliás, o facto de não se esperar que o Presidente Xi Jinping compareça na COP26 tem sido associado ao caos no Congresso americano, que fará com que a China não leve a sério o compromisso americano, não estando Pequim disposta a desinvestir nas energias fósseis sem que o seu rival faça o mesmo. Aliás, o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, citado pelo Politico, já deixou bem claro que a cooperação climática “não pode ser divorciada da situação geral das relações entre a China e os EUA”.