Por Carlos Pereira
Economista e vice-presidente do grupo parlamentar do PS
Julgo poder afirmar com relativa segurança que os portugueses reconhecem facilmente que já existem muitas dificuldades a travar na recuperação do país para aceitar, sem mágoa, estupefação ou mesmo incredulidade a crise política, e a respetiva marcação de eleições antecipadas, lançada com o chumbo no Orçamento do Estado para 2022 por parte da maioria dos partidos na AR.
A crise energética, a crise das matérias primas e a falta de mão de obra são, por si só, de uma dimensão tremenda para poder abalar o cenário macroeconómico de qualquer orçamento. Já para não falar da possibilidade de surgimento de novas variantes da covid-19 que podem vir a dificultar a tão desejada saída da crise, num contexto pandémico que ainda não terminou!
Por isso, no momento em que o pensamento de todos percorre a ideia de que podemos estar muito próximo de, como diz o povo, ‘começar a levantar a cabeça’ eis que um muro de novos obstáculos, ainda por cima geradores de instabilidade, é colocado no caminho de Portugal.
A recuperação económica do país não é uma miragem. Pelos dados conhecidos do Eurostat Portugal, no segundo trimestre, teve o segundo melhor desempenho da Europa quando comparado com o trimestre anterior e foi o quinto país a recuperar melhor, quando se analisa a evolução do PIB em relação ao período homólogo.
Apesar de ainda não serem conhecidos mais resultados, a expectativa é que a boa performance do turismo venha a confirmar esta tendência no terceiro trimestre, assegurando que 2021 será o quarto ano em seis anos de Governo socialista com crescimento acima da média da UE, algo que, neste século, só ocorreu em 2009.
Estou convencido que não é difícil de compreender que a capacidade que o país tem revelado para acelerar a saída da crise, mesmo estando dependente de setores vulneráveis à pandemia, decorre de vários fatores: por um lado, a existência de um bom clima económico vivido até a chegada da covid, seja em termos de criação de riqueza, seja de emprego, investimento, mas também de contas públicas, ao nível da redução do défice e da dívida, oferecendo margem de manobra para políticas anticíclicas; e por outro, pelo pacote de políticas de combate à crise da covid que permitiram manter a capacidade produtiva do tecido empresarial, o emprego e os rendimentos dos portugueses, garantindo um impulso imediato da economia logo que surgiram condições para o desconfinamento.
Neste quadro o Orçamento do Estado era o motor da recuperação que materializava o arranque da execução do PRR, imprimindo um reforço de 30% no investimento e puxando a economia para um crescimento superior a 10% em dois anos.
A tónica era sair rápido da crise e voltar a convergir com a Europa, sem descorar o ímpeto reformador do estado social e o aumento das pensões, do salário mínimo e das prestações sociais num vigoroso combate à pobreza.
Tudo isto foi travado no quadro de um dogmatismo incompreensível e de uma espécie de simulacro de negociação orçamental em que os partidos à esquerda do PS sentiram necessidade de engendrar.
Posto isto, e concretizadas as eleições o país precisará de retomar o rumo da recuperação. Não creio que o país sinta vontade de revisitar o modelo económico de competitividade pelos salários baixos sem arrojo no investimento nas qualificações e na inovação.
Mas para evitar esse caminho, só com uma maioria reforçada e estável para poder dispensar os portugueses de mais calafrios.