O que é hoje a China

«Não tendes ideia que tipo de gente os atenienses são. Fazem um plano: se resultar, o sucesso não é nada em comparação com o que irão fazer a seguir».  Tucídides, aos espartanos 1. A China de hoje é radicalmente diferente da China de Mao, claro.  Quando começou a Revolução Cultural, eu vivia em Macau. Trinta anos…

«Não tendes ideia que tipo de gente os atenienses são. Fazem um plano: se resultar, o sucesso não é nada em comparação com o que irão fazer a seguir». 

Tucídides, aos espartanos

1. A China de hoje é radicalmente diferente da China de Mao, claro. 

Quando começou a Revolução Cultural, eu vivia em Macau. Trinta anos depois voltei a viver lá. Dez anos depois, no mandato do grande governador que levou Macau ao que é hoje – apesar de, por aqui, muitos desejarem que não fosse –, estive lá pela última vez. Sei, pois, das duas Chinas de que falo.

A China está hoje, como nenhum outro país, ligada em rede, a enriquecer, globalizada, esmagadoramente mais urbana, os chineses a viajarem e em interação com o mundo.

As motivações protagonizadas por Xi Jinping são cosmicamente diferentes das impostas por Mao. Passaram a ser ‘formar’ e encontrar os mais bem preparados, os melhores, os que possam contribuir para fazer uma China cada vez mais rica, cientificamente avançada, respeitada no concerto das nações. Promovendo numa sociedade de grande mobilidade o controle das ‘moscas’ (que, como avisou Deng no início da abertura, «entram sempre algumas quando se abre uma janela para entrar ar fresco»). 

2. Para quem persiste em ignorar a realidade da China, alguns dados expressivos reunidos por G. Allison:

Ultrapassou os EUA na maioria dos indicadores: fabrico de navios, aço, alumínio, mobiliário, vestuário, têxteis, telemóveis e computadores. E é o maior consumidor desses produtos. E do mercado automóvel. E de telemóveis, comércio online e internet. Importou mais petróleo, consumiu mais energia, instalou mais painéis solares do que qualquer outro país. É, desde 2008, o principal motor do crescimento global. 

Entre 2011 e 2013 fabricou e utilizou mais cimento do que os EUA em todo o século XX. Construiu o equivalente a todo o parque habitacional da Europa em apenas 15 anos. 

O gigantesco Centro de Exposições Tianjin Meijiang foi construído em 8 meses; o metropolitano de Washington demorou o mesmo tempo a reparar duas escadas rolantes com 21 degraus. Faz hoje em horas o que os EUA demoram anos a concretizar. Entre 1996 e 2016 construiu mais de 4 mil milhões de quilómetros de estradas e 100 mil de autoestradas, ultrapassando em 50% os Estados Unidos como o país com o maior sistema de autoestradas do mundo. Tem a maior rede mundial de caminhos-de-ferro de alta velocidade (290 Km/hora), que representa mais do que o resto do mundo junto. A Califórnia está há 10 anos a construir uma ligação de alta velocidade com 800 Km entre LA e São Francisco, que só estará concluída em 2029. Até esse ano, a China completará mais 25 mil Km de ligações de alta velocidade.

Quanto ao desenvolvimento humano, o rendimento médio per capita subiu de 193 dólares em 1980 para mais de 8100 atualmente. Na educação, cuidados de saúde e indicadores afins há uma melhoria semelhante. Em 1949 a esperança de vida era de 36 anos; em 2014 já duplicara para 76 anos. Com a taxa de crescimento da última década, os americanos vão ter de esperar 740 anos para uma melhoria equivalente. 

Pela primeira vez na história moderna, a Ásia está à frente da Europa na riqueza privada acumulada. Num ápice, a China ultrapassou em 2015 o número de milionários e bilionários nos EUA e adiciona mais mil todas as semanas. Naquele ano, compraram metade dos artigos de luxo em todo o mundo. Os leilões da Sotheby’s e da Christie’s já são realizados em Beijing e Shanghai.

Segundo a Universidade de Stanford, dos alunos que se candidatam nas áreas de engenharia e informática, os chineses chegam com uma vantagem de três anos em relação aos americanos no pensamento crítico. Em 2015, a Universidade de Tsinghua ultrapassou o MIT nos rankings do U.S. News & World Report, tornando-se a universidade mundial de topo na área da engenharia. Nas STEM, a China forma anualmente quatro vezes mais alunos do que os EUA (1,3 milhões vs. 300 mil), não incluindo os 300 mil chineses matriculados em instituições americanas. O impulso na energia verde no mundo depende hoje da iniciativa e produção chinesas. Na robótica tem uma posição dominante. É também líder mundial no fabrico de computadores, semicondutores e equipamentos de comunicações e de produtos farmacêuticos. É o primeiro país a registar mais de um milhão de pedidos de patentes num só ano, sendo líder mundial em I&D em 2020. Nos rankings dos quinhentos supercomputadores mais rápidos, tem atualmente 167, duas vezes mais do que os EUA. O maior computador da China é cinco vezes mais rápido do que o americano mais próximo. O seu maior computador, de 2016, recorreu apenas a processadores chineses.

São chineses o primeiro satélite quântico de comunicações, e o maior radiotelescópio da terra. 

E embora isto não se traduza automaticamente em poderio militar, com apenas 2% do PIB na Defesa (os EUA investem 4%), em três décadas a China multiplicou a sua capacidade por oito (dado o crescimento económico de 2 dígitos). Foi a segunda posição, a seguir aos EUA e à frente da Rússia.

É o principal parceiro comercial de mais de 130 países – incluindo as principais economias asiáticas. «Conduz a sua política externa principalmente através da economia porque…pode fazê-lo» (Kissinger)

3. Enquanto garantir este desiderato, o regime terá o apoio de 95% da população. E seria uma catástrofe no mundo se a China se fechasse ou houvesse guerra.

4. Há quem diga, ou sonhe, que se a China se fechar ou parar haverá o Brasil e a Índia. Sobre o Brasil, nem comento. Sobre a Índia… no espaço de uma geração, mesmo com a menor taxa de crescimento em 2015, a China criava uma economia da Índia em cada 2 anos!

E o que tem a Índia a ver com a China? Cultural, civilizacional, antropológica, religiosamente?

5. Pergunto: não teremos nada a aprender com a China, como eles aprenderam e importaram há 40 anos de nós? Temos. Muito mais do que pensamos. Escreve no liberal Le Point Franz-Olivier Giesbert: «Não há um domínio onde a China não pense em investir, ao passo que os nossos braços oscilantes abandonaram tantos domínios. Atual como nunca, cito um antigo primeiro-ministro, Chaban-Delmas, em 1973: ´Vou à China para ver melhor a França e os seus problemas’». 

E os nossos? E nós?