Subitamente o meu filho mais velho sentiu uma enorme e insistente vontade de aderir à Netflix. Só algum tempo mais tarde, em conversa com o meu marido, percebi que este desejo devia estar relacionado com a série coreana de que nos tinha falado umas semanas antes, que todos comentavam na escola. Fui ter com ele e expliquei-lhe que, caso quisesse ter Netflix para ver o Squid Game, isso não ia acontecer porque aquela série não é adequada para a sua idade. De seguida veio todo o discurso que conheço desde a altura em que tinha a idade dele: todos na escola veem, todos os pais deixam, vocês não entendem, não há problema nenhum, isto é tão injusto, etc. Ou seja, todos os argumentos possíveis para nos fazerem sentir umas aves raras, uns bota-de-elástico sem noção do que é cool, sensato, adequado ou moderno.
Dei por mim a repetir as palavras frias e implacáveis que a minha mãe me disse vezes sem conta e que me faziam sentir a pessoa mais injustiçada e azarada do mundo: ‘O que os outros pais decidem é com eles, a minha decisão é esta’. E mesmo depois de uma longa explicação sobre as razões pelas quais só se deve ver o que é adequado para cada idade, acabei por ouvir dele um ambíguo: ‘Tu não percebes, aquilo não vai mudar nada, eu sei tudo!’.
Não cheguei a perceber bem a que se referia o ‘tudo’, mas uma coisa sei, e disse-lhe: o que quer que saiba, porque lhe disseram ou porque viu excertos, é totalmente diferente de o ver desenrolar-se à sua frente de forma explícita. Uma coisa é a imaginação gerir de acordo com a nossa maturidade a informação que nos chega, isso é natural e saudável. Outra é sermos bombardeados por imagens e conteúdos extremamente violentos e desadequados para a fase de desenvolvimento em que nos encontramos. Embora as crianças e adolescentes estejam constantemente a receber estímulos com que nós nem sonhávamos na nossa altura, não é por isso que o seu cérebro está mais desenvolvido ou que têm maior maturidade do que nós tínhamos com a mesma idade. Muito pelo contrário. Cada fase deve ser percorrida e explorada sem pressa, sem tentar saltar para a seguinte, o que pode deixar angústias, inconsistências e inseguranças.
Não é por acaso que existe uma classificação etária de filmes e programas de acordo com o seu conteúdo – esta série é para maiores de 16 anos, mas há crianças na escola primária a vê-la.
Como se costuma dizer, não devemos pôr o carro à frente dos bois. Nem nos deixar intimidar pelas decisões que os outros tomam. Com certeza que quem proíbe esta série aos filhos mais novos não será o único com algum grau de discernimento, e se for, os seus filhos não vão ficar a perder com isso, muito pelo contrário. Devemos ser razoáveis, abertos, flexíveis e não fechar a nossa prole numa redoma. Claro que não queremos que vivam alienados daquilo de que os amigos falam e comentam. Mas também não nos podemos deixar levar por esta incúria e insensatez.
Séries como esta podem ter consequências graves nas crianças e adolescentes. Não só em termos de imitação de comportamentos desadequados – como já se tem verificado em vários países – mas ao nível do seu desenvolvimento. Além dos avisos que têm sido feitos para que as escolas estejam atentas a comportamentos que possam advir desta nova moda, não será demais lembrar aos pais que os mais novos não devem ter acesso a conteúdos inadequados para a sua idade. Na minha classificação pessoal vou deixar esta série para assistir quando fizer 200 anos e já não tiver nada de mais interessante para fazer.