Por João M. A. Soares, Antigo secretário de Estado das Florestas
Em matéria de energia, os compromissos políticos assumidos que já nos afetam são de consequências difíceis de imaginar: descarbonizar 50% das emissões de Gases de Efeito de Estufa (GEE) em Portugal até 2030 e atingir a neutralidade carbónica na União Europeia até 2050, é uma tarefa homérica.
Não sendo possível diminuir o consumo mundial de energia – uma vez que o bem-estar das pessoas sempre esteve ligado ao aumento do consumo de energia – importaria mudar o ‘tipo’ de energia que está na base da satisfação das necessidades do Planeta. E elas são: i) Carvão 36%, ii) Gás natural 23%, iii) Hidroelétricas 16%, iv) Nuclear 10%, v) Renováveis 11%, vi) Petróleo 3% e vii) Outras 1%. Pode parecer que o número relativo ao Petróleo está errado… mas não: a maioria do petróleo extraído é utilizado para o fabrico de derivados e polímeros, e a quota-parte do petróleo na produção de energia é relativamente baixa.
Ora, uma mudança no ‘tipo’ de energia tem sempre custos acrescidos. Só no caso da obtenção de matérias-primas para o fabrico de moléculas capazes de substituir (sem emissões de GEE) as que hoje derivam do petróleo, estima-se um sobrecusto (alguns chamam ‘taxa verde’) entre 9% e 15%. Para substituir a fabricação de cimento por produtos sem emissões, o sobrecusto hoje estimado é de 75% a 140%. (Todos os combustíveis alternativos sem emissão de GEE têm hoje sobrecustos superiores a 100%).
Se tivermos em conta que estudos sociológicos credíveis apontam para que nos próximos 40 anos a Humanidade colocará de pé uma cidade com a dimensão de Nova Iorque…TODOS OS MESES!, ter-se-á uma boa ideia da dimensão do problema que o mundo enfrenta.
Éneste quadro de urgente desafio (as emissões de GEE têm de ser reduzidas, sejam ou não as Alterações Climáticas provocadas principalmente pela atividade humana) que os políticos europeus e as Nações Unidas decidiram ‘mostrar serviço’ e desencadear, especialmente na Europa, uma corrida descoordenada, mal calendarizada e suicidária para atingir a descarbonização ‘amanhã’ (e ganhar votos de jovens pouco esclarecidos mas determinantes para ganhar eleições).
Desmantelaram-se centrais elétricas a carvão (algumas já foram mesmo dinamitadas para a reconversão do uso do respetivo solo), congelou-se ‘ideologicamente’ a I&D relativa ao nuclear limpo (a fusão nuclear), etc., apostando-se tudo nas eólicas e no solar, sem cuidar de garantir a estabilidade do abastecimento nos períodos de intermitência destas produções renováveis. E porque se fizeram grandes negociatas com as elétricas (as mesmas que foram responsáveis por grande parte das emissões de GEE e que estão agora a fazer contratos milionários para ‘resolver’ o problema que criaram ou ajudaram a criar), os políticos do cluster de Bruxelas acharam que a pandemia não justificava rever e alterar todas essas loucuras descoordenadas!
Quando já se antevia uma transição energética difícil, ninguém quis perceber que a retoma mundial da atividade económica pós-covid-19 iria aumentar fortemente a procura da única matéria-prima ‘relativamente pura de CO2 fóssil’, barata e de oferta realmente elástica: o gás natural.
Ora, sempre se soube que o mercado europeu do gás natural está completamente dependente da Rússia (a Sra. Merkel não cuidou de romper a sua ‘política de consensos’ nesta matéria vital), e o Sr. Putin, alvo de pressões políticas externas e sanções económicas bem pesadas, achou que chegara a sua ‘hora da retribuição’.
A Europa está, pois, à beira de um inverno dramático (especialmente se for bem frio) e a Comissão Europeia e os ’seus’ chefes de Governo e Presidentes, prevendo o pior, oferecem «cheques de energia aos mais carenciados», aconselham a «prevenir possíveis apagões» e prometem que «a crise passará em abril» (quando o inverno passar… como se não voltasse doze meses depois) e vão assistir à destruição de mais outra grande fatia da indústria europeia, sem capacidade de competir interna e externamente com produtos chineses baratos, fabricados e exportados sem quaisquer restrições sociais ou ambientais.
A Alemanha reabre centrais a carvão, a Espanha encerra as minas de carvão da Cantábria mas adia o fecho das centrais restantes e todos cuidam do seu nuclear e aumentam as suas compras de carvão na Austrália. E nós… inventamos a inusitada habilidade de oferecer cheques do Fundo Ambiental (engordado através da Taxa de Carbono aplicada a quem emite GEE) para que os consumidores possam pagar produtos cujo elevado preço final resultou… do sobrecusto ditado por aquela Taxa de Carbono.
Recorde-se que esta Taxa de Carbono proposta – não obrigatória – em Paris preconizava os 75 USD por tonelada de CO2 emitido, em 2020. Mas nos EUA ela ainda não existe na maioria dos Estados, na Europa tem já uma expressão média de 40 USD/ton e no mundo não chega aos 3 USD/ton. Sendo pois evidente o dumping que daí resulta nalguns produtos importados pela Europa, a Comissão começa a falar em novas taxas alfandegárias, agora pomposamente descritas como «Ajustamentos Fronteiriços do Carbono» e novas ‘guerras’ comerciais se avizinham.
Se o Sr. Bolsonaro pode ser eventualmente julgado por ter falhado completamente a previsão e a gestão da pandemia, é bom que alguém comece a fazer o pesado libelo acusatório destes políticos europeus (e nacionais) que, armados em D. Quixotes patetas e irresponsáveis, arrastaram a Europa (e o nosso país) para os apagões que obviamente se anunciam: o energético, o elétrico, o económico e o social, por esta ordem.
Se a emissão global anual de GEE é de 51 biliões de toneladas, se a China representa só por si 25,7% daquele montante e os EUA 12,5%, o que dizer da atitude dos ‘campeões da transição climática à custa do dinheiro e da riqueza que já não têm e não geram’ (a União Europeia), que representa apenas 8,8% daquele total? Já relativamente a Portugal, ‘culpado’ de emitir 0,01% daquelas emissões, o que dizer de governantes que querem ir à frente do disparate e criam condições para o agravamento do desastre económico e social?
E não se confunda o atual problema dos preços dos combustíveis em Portugal com o gravíssimo problema que aí vem. É que em Portugal, e por ora, os preços são já economicamente incomportáveis porque os governos – todos – abusaram da carga fiscal que antes lhes aplicaram.
P.S. – A maioria dos números citados e alguns exemplos escolhidos são retirados do livro de Bill Gates Como Evitar um Desastre Climático, editado pela Porto Editora (2021) e nos relatórios da Agência Internacional de Energia (IEA).