Num comentário ao meu artigo O que se joga no Mar da China – expressão que usei para refletir com G. Allison sobre a probabilidade de uma guerra entre os EUA e a China, dado ser naquela região que poderá surgir o pretexto para essa possibilidade –, o meu Amigo António Saraiva (AS) pergunta-me por que não tratei da divergência pela posse das ilhas, que divide os países da região.
Mas ele próprio antecipou certeiramente a resposta afirmando que se trata de uma situação comum à verificada na História em muitas situações geoestratégicas. Ilustrada, por exemplo, pelos EUA nas Caraíbas, no Texas, e até na compra do Alaska. E com Rússia, agora a pretender controlar a Ucrânia… onde a NATO, por acaso, se lembrou de querer instalar mísseis.
Se houver conflito entre os EUA e a China, o verdadeiro motivo será a ameaça de uma potência emergente à hegemonia da potência dominante. Motivo que não pode ser confundido com o pretexto. A causa da I Guerra Mundial não foi o assassinato do arquiduque do Império Austro-Húngaro.
Mas o caso de Taiwan é diferente de todos esses enjeux geoestratégicos (as ilhas no Mar da China, aliás, nem são espaço vital dos EUA).
É diferente, porque a compreensão da sua perdurabilidade e a previsão do seu desenlace remetem para o registo da ‘civilização’ chinesa e da História. No Ocidente, no registo que AS bem referiu, tendo ainda para mais em conta a relação de forças real no lugar, estaria há muito resolvido. E é por isso que me interessa. E foi essa a razão para eu ter deixado, en passant mas bem intencionalmente, as duas linhas no final do artigo que terão interpelado o António: «Quanto a Taiwan, penso que o problema são as interferências dos EUA na área. Se pararem, a tensão desaparecerá. Basta conhecer a História e saber o que é para os chineses o tempo, ‘esse grande escultor’».
E quem não percebe que, com Taiwan a afirmar ‘todos os dias’ a sua determinação de independência e capacidade de defesa, e os EUA a proclamarem, com palavras e ações, o seu apoio e incitamento, a China não pode deixar de responder e repetir o que disse e fez sempre? O mesmo, afinal, que afirmou em 1974 quando, por instrução do Kremlin, para embaraçar a China, o PCP terá querido forçar a entrega de Macau, levando a China a aceitar que era uma colónia – e não era. Entrega que se verificaria, claro, se a China a exigisse. «Macau é uma realidade criada pela História que o tempo resolverá», foi a resposta chinesa. O tempo, esse ‘grande escultor’.
No termo da derrota das ‘forças nacionalistas’ de Chiang Kai-shek, e da fuga, invasão e ocupação da Formosa (dez. 1949), o exército de Lin Piao chegou às Portas do Cerco. Mas não entrou em Macau, território chinês (tal como não entrara em Hong Kong). Acaso pensa o AS que não o poderia ter feito, num e noutro caso?
E durante mais século e meio ali viveriam os portugueses em cumplicidade e harmonia com a população chinesa e com a China… e continuamos a viver hoje. E os representantes do Território na Assembleia Nacional Popular eram também os amigos de Portugal que tinham assento no Conselho Consultivo e na Assembleia Legislativa de Macau. Sempre ouvidos e seguidos pelos governadores nas medidas mais relevantes que tomavam.
Ajude-nos a perceber, meu Caro António, como bem pode, ‘Que segredos são estes da natura’.
(Continuarei a responder às suas estimulantes observações.)