Por Sofia Aureliano
António Costa deu esta semana a primeira entrevista desde o chumbo do Orçamento do Estado e do anúncio de dissolução do Parlamento e consecutivas eleições antecipadas. E, em pouco menos de uma hora, mostrou, mais uma vez, que a sua palavra dada não é para ser honrada. Foram três flic flacs à retaguarda, a terminar com mortal encarpado. E puff – evaporaram-se algumas das que se vangloriava serem as suas verdades absolutas.
A primeira afirmação absolutamente surpreendente é que sairá da liderança do Partido Socialista, caso perca as eleições. Só para sublinhar que isto é o mesmo que não as vencer (parece estúpido, mas é necessário!).
Um mau resultado será, segundo António Costa, o prelúdio para uma nova era. Porque abandonar o barco é a natural conclusão que Costa retira de uma derrota eleitoral. Esta afirmação foi de António Costa, proferida com ar sério.
Se pudéssemos acreditar, isto seria interpretável como chantagem. Legítima, mas pouco consistente. Porque a verdade é que retirar consequências da interpretação honesta de resultados eleitorais não é coisa que possamos colocar no curriculum do atual primeiro-ministro. O mesmo cidadão que, em 2015, decidiu não respeitar a vontade popular manifestada nas urnas, ignorar o facto de ter perdido as eleições, criar uma solução geringonçada de governo com apoio parlamentar a termo certo e retirar do poder quem efetivamente venceu as legislativas. Resta saber se esta é uma idiossincrasia costista ou se os herdeiros a corroboram, optando por seguir a mesma visão enviesada da verdade.
“Agora cabe aos portugueses escolher” disse António Costa, na RTP. Em 2015, também escolheram. Porque devemos acreditar que agora se vai honrar a vontade dos portugueses?
Na mesma entrevista, Costa avançou que já tem o trabalho de elaboração do programa eleitoral pré-alinhavado. Será igual à proposta do OE2022. Ou não fosse uma das suas promessas, caso ganhe as eleições, implementar todas as medidas da proposta que foi chumbada no Parlamento, seja em que data for, com efeitos retroativos a janeiro. Todas. Mesmo aquelas que não foram escolha inicial do governo, mas que resultaram das negociações com os partidos de esquerda. Ou seja, Costa vai a eleições para pôr em marcha não uma proposta socialista para o país, mas o plano falhado da geringonça. A choraminguice e as lamúrias foram muitas, mas parece que, afinal, as cedências não foram assim tão duras. Agora que já não precisa do apoio do PCP e do BE, o PS continua a querer executar as medidas que os partidos exigiram.
É só a mim que este facto alimenta a suspeita de que António Costa e a sua equipa montaram o circo, exibiram os seus malabarismos, golpes e macacadas e, no fim, fizeram o que mais queriam: implodir a barraca? E os palhaços somos nós.
Desta promessa fica, no entanto, o aviso à navegação. O Partido Socialista parte adiantado para as legislativas, não só porque já tem o candidato a primeiro-ministro identificado, como já tem o programa eleitoral preparado. E aproveita todos os tempos de antena para fazer promessas aos portugueses. Concorde-se ou não, não são abstrações ideológicas de cariz mais conservador ou liberal. São medidas concretas com impactos reais na vida das pessoas.
As guerilhas internas e as disputas interpartidárias enchem e animam os espaços noticiosos, mas não têm o mesmo relevo (nem de perto, nem de longe) para o dia-a-dia dos cidadãos. Aquilo que efetivamente interessa aos portugueses é saber que benefícios terão se votarem no partido x, y ou z. Costa já diz ao que vai. E os restantes partidos?
Quem quiser apresentar-se como alternativa forte de poder terá de começar a ganhar terreno e apresentar propostas concretas. Sem hesitações nem espaços para “e se”. Os dois candidatos à liderança do PSD têm de começar agora a travar a principal batalha em prol do que acreditam ser o melhor para os portugueses. E não é um contra o outro. É pelo país e contra o inimigo coletivo: o candidato do PS.
Não há duas sem três e António Costa brindou-nos com mais uma afirmação tiritante e sem precedentes. Na eventualidade de não ganhar a maioria absoluta, o líder socialista considera que poderá haver margem para negociações. Com quem? “À esquerda ou à direita”. Caso para dizer: Agora? Então porque não negociou quando tinha uma proposta de Orçamento de Estado para aprovar, que até corresponde ao conjunto de promessas eleitorais que antecipa para uma legislatura subsequente, e preferiu dizer que “com o PSD, jamais”? Qual é a lógica por detrás desta nova abertura para negociação ao centro? É uma questão de sobrevivência, obviamente. Mas de lógica não tem nada.
Entenda-se que não acho que se deva colocar de parte um cenário de acordo entre PS e PSD. A crítica reside na incoerência de postura. Não, na evolução anunciada.
Na realidade, a probabilidade de algum dos dois partidos conseguir maioria absoluta é escassa e a tendência do voto dos portugueses, de alguns anos para cá, tem sido de um manifesto reforço ao centro. A maioria dos eleitores tem demonstrado que estaria confortável com um entendimento entre os dois partidos tradicionalmente do arco da governação. Certamente mais do que com novas edições de ensaios de gerigonça e simulações de acordos parlamentares. E dispensando a necessidade de negociar cedências com chantagistas dos extremos, quer sejam blocos à esquerda ou indignados à direita.
Qualquer intento reformista necessitará de alinhar os propósitos dos dois partidos de governo. E Portugal precisa de reformas para alcançar, a médio prazo, uma efetiva convergência com a União Europeia. Já estamos atrasados e a correr atrás do prejuízo. Não podemos continuar a contentar-nos com migalhas de uma governação poucochinha, cuja bitola se rege pelos mínimos e o objetivo primário é sobreviver até ao próximo Natal. O mindset tem de mudar e está na hora de exigir mais. Sem medos nem receios, precisamos de ação e, sobretudo, de ambição. E de encher orgulhosamente o peito por dizer “Somos Portugueses”.