COP26. Uma ‘década crucial’ para a mudança

Guterres pediu um esforço para evitar uma catástrofe climática e os líderes corresponderam. Dois especialistas do clima, Filipe Duarte Santos e Francisco Ferreira, falam sobre as vitórias da COP26 e o que ainda está em aberto.

Discutem-se neste momento os detalhes finais das negociações da 6.ª conferência do clima das Nações Unidas (COP26), a decorrer em Glasgow, numa altura em que o líder das Nações Unidas, António Guterres, pede aos países para aumentarem os esforços para evitar uma «catástrofe climatérica». 

Entre as principais medidas referidas está um apelo ao esforço para cumprir o objetivo de diminuição de gases de efeito estufa até 2030, enquanto se aponta o dedo aos países ricos por não terem cumprido a promessa de fornecer 100 mil milhões de dólares por ano em ajuda financeira até 2020 para ajudar as nações pobres com o aquecimento global.

«Apesar de ainda não ter sido aprovado o documento final, penso que há coisas positivas nesta COP26», afirma ao Nascer do Sol Filipe Duarte Santos, professor catedrático de Física na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e especialista internacional em alterações climáticas. Como principais vitórias enumera o «anúncio de que vários países vão apostar na descarbonização da sua economia, como é o caso da Índia, até 2070, assim como de países como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, a Rússia e a Austrália, a comprometerem-se a cumprir esta etapa até 2050», mesmo que ainda não tenha sido apresentado um roteiro a detalhar como estes objetivos de médio e longo prazo vão ser cumpridos.

Este texto «foi bastante satisfatório», considera o presidente da associação ambientalista Zero, Francisco Ferreira. «Foi feita pela primeira vez menção ao fim da utilização do carvão, dos combustíveis fosseis e é reconhecido, como um mea culpa, que ainda não se chegou ao financiamento de cem mil milhões de dólares por ano para se gastar no desenvolvimento de tecnologias amigas do ambiente», considera o responsável, que menciona ainda a «necessidade do financiamento para a adaptação e para as perdas e danos resultado das catástrofes naturais provocadas pelas alterações climáticas», mesmo não tendo sido «traçadas metas a ser cumpridas», mas que acredita que farão parte do «acordo final».

No entanto, ambos os especialistas apontam problemas nos textos das negociações. Filipe Duarte Santos aborda como os países envolvidos na COP26 continuam a enfrentar dificuldades em saber como lidar com as alterações climáticas.

«Todos os países do mundo mostram um aumento das emissões globais, em 16%, até 2030, e é necessário reduzir, de forma bastante drástica, em 45% para não ultrapassar o 1,5ºC e em 25% para não ultrapassar os 2ºC», nota Filipe Duarte Santos. «Esta década é crucial. Caso não sejam feitas mudanças, o sistema climático vai continuar a reagir a este aumento constante de emissões e vamos, inevitavelmente, ultrapassar o 1,5ºC, já estamos praticamente em 1,2ºC, por isso, este é um problema que ainda não está resolvido».

No entender de Francisco Ferreira, existe um esforço «insuficiente» nas primeiras negociações, sendo um dos objetivos em cima da mesa atingir no próximo ano um «apertar» das metas para cumprir já a redução dos gases de efeito de estufa e não apenas daqui a 5 anos.

«O objetivo é fazer uma revisão dessas metas agora ou no prazo de um ano, é como se o jogo já estivesse terminado e nós estivéssemos no prolongamento a tentar ainda garantir esses valores», ilustra, para explicar a urgência de adoção de medidas.

«Até ver foram assinados acordos importantes na área das florestas, na redução do metano, do carvão, mas ainda existem alguns aspetos limitantes, nomeadamente a ausência de alguns países no acordo do metano, onde falta a China, a Índia e a Rússia, ou no acordo do carvão, que não foi assinado pelos Estados Unidos nem a China», continua Francisco Ferreira.

Por fim, o presidente da associação ambientalista reforça a importância de controlar o mercado global dos petróleos, com a proteção dos direitos humanos dos povos indígenas e das florestas.

«Se não existir uma rigorosa qualificação e monitorização destas ações no mercado do carbono este não terá credibilidade nenhuma», afirma. «Portanto, para nós, caso não seja possível regular com eficácia, mais vale não haver uma decisão do que tomar uma má decisão», conclui.